Olhos da Meia-Noite - Capítulo Oito - Final

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Ao cair da noite, Milena abre os olhos e tenta reconhecer o lugar onde dormiu. Lentamente, as lembranças retornam à sua mente embaralhada. A morte de sua senhora, sua mãe, por causa daquele Malkavian maldito. Mas, de acordo com o que se lembrava, Ricardo estava com ela. E por que razão ele não estava ali?

Seus instintos animais ficam alertas e, num salto, Milena fica de pé. Ricardo saíra não havia muito tempo, mas ali sentia o cheiro de mais alguém.

— Lázarus!

Milena voa para a clarabóia e sai para a noite no exterior do prédio. Olha em volta, vê um monte de cinzas misturadas às roupas elegantes de Lady Anthonya. Um anel dourado brilha entre as cinzas. O anel de sua mãe. Milena coloca em seu dedo e o admira. Sempre que olhasse para ele, viria o rosto de Lady Anthonya. O cheiro forte de Malkavian invade suas narinas.

— Sentiu saudades?

Milena vira-se e vê Lázarus segurando Ricardo, perto do parapeito do edifício. Engole seco.


— Já me machucou o bastante, não acha?

— Ora, onde está o seu senso de humor? O que este garoto é para você? Nada mais que um humano. E o que nós fazemos com os humanos? Comemos. Sugamos todo o seu sangue quente, delicioso!

— Deixe ele em paz!

— Ora, vamos. Se quiser, posso deixar um pouco de sangue pra você também.

Lázarus ri, enquanto Milena olha para o olho roxo de Ricardo, sangue escorrendo do nariz e uma marca de mordida no pescoço.

— Deixe ele ir, ou eu acabo com você!

— Tem certeza? Eu acho que não. Você tá muito fraca. Não sinto cheiro de sangue humano em você. Aposto que faz tempo que não se diverte caçando.

Milena respira fundo, ante as palavras de Lázarus.

— Olhe, Tremére. Não gosto de ficar esperando. Se não quer participar da festinha, participamos nós!

— Não!

Lázarus voa levando Ricardo consigo, mordendo-o no ar. Milena corre para o parapeito, no mesmo instante em que Ricardo é solto e começa a cair. Ricardo cai de costas, olhos fechados. Milena olha bem para ele, saltando logo acima. Lázarus limita-se a rir gostosamente. Milena abraça o corpo de Ricardo, parando com ele na marquise do primeiro andar do edifício. Seu rosto está pálido, três marcas de mordidas em seu pescoço, sem sangue. Milena o recosta na marquise, deixa seu corpo de maneira confortável e o contempla. Com os caninos crescidos, os olhos claros e brilhantes e a raiva explodindo em seu peito, voa para a vingança.

Salta direto para o corpo de Lázarus, pegando-o de surpresa.

— Eu avisei que não fizesse! Vou acabar com você! Zían Holf!

Milena voa em alta velocidade com Lázarus nas mãos, jogando-o com violência contra a parede.

— Mas...

Ele está atordoado. De onde viera toda aquela força? Milena morde seu pescoço, voando com ele a uma grande altura, soltando-o em seguida, deixando-o cair. Com um vôo rasante, agarra-o de novo, segura sua cabeça entre as mãos e olha dentro de seus olhos. Lázarus sente sua mente ser invadida e seus sentidos serem embaralhados, sua psiquê ser alterada e grita.

— Pare!

Milena não o escuta. Sente que não terá controle sobre seus poderes, mas nem tenta controlá-los. O que ela quer é acabar com esse Malkaviano idiota, que arrasou sua vida. Milena solta-o, que cai atordoado e caminha de gatinhas, procurando Milena.

— Você... você disse que... que estaria... fraca!

— Já ouviu falar em gato e cachorro? Eles também têm sangue nas veias!

Dito isto, Lázarus vê que não terá chance alguma com ela. Ela manteve-se forte o tempo todo. Pior: estava magoada, com raiva e sede de vingança. Seria seu fim. Milena ergue os braços, dominando todos os músculos de Lázarus, todos os seus ossos, erguendo-o no ar, paralisando-o. Com um sorriso nos lábios, atira-o para longe, vendo-o cair no rio Capibaribe.

— Espero que isso sirva pra alguma coisa!

Milena respira fundo e caminha para o parapeito. Olha para baixo e vê o corpo de Ricardo inerte. Salta e aproxima seu rosto do dele. Imagens de seu abraço passam em seus olhos como um filme distante. Quase sem pensar, Milena faz um corte no braço e deixa seu sangue escorrer nos lábios do seu amado, que grita e pede mais. Era um erro, mas queria cometê-lo. Se arrependeria, mas apenas mais tarde. Agora, não. Precisava dele.

Os dois caminham lado a lado, pela Avenida Conde da Boa Vista, e içam vôo. Um vôo, de volta pra casa.


***

Dentro da biblioteca, os mesmos móveis antigos, a mesma poltrona, as mesmas estantes abarrotadas de livros, a mesma escrivaninha. Os mesmos castiçais, iluminando escassamente o aposento, formando sombras do corpo de Milena, debruçada sobre o papel, escrevendo avidamente.

“Precisava dar a Ricardo uma nova chance de ver as coisas da vida, chance que lhe foi tirada. Infelizmente, ele teria de lutar para alcançar o Paraíso, juntamente comigo. Minha mãe, Lady Anthonya, não teve essa oportunidade. Fiz isso por ela.”

“Mas Ricardo não suportou muito tempo sem sangue humano. Quando estava morrendo, me falou que o Paraíso é lindo. Isso me deu forças até hoje para suportar a Shufi. Digamos que me acostumei com ela. Mas já estou muito fraca. Me tranquei no casarão e nunca mais vi um humano sequer. Não tenho nem idéia de que ano estamos. Não tenho televisão, e o tempo para mim não passa. Não sei se estás vivo para receber esta carta, mas precisava escrever e contar, o que aconteceu comigo. Com amor...”

Milena respira fundo, olheiras profundas marcam seu rosto pálido.

“... sua filha. Milena.”

Milena dobra a carta e a deixa em cima da mesa, juntamente com a caneta. Se levanta e caminha em direção à poltrona antiga, que fora de Lady Anthonya. Toca-a com as mãos, as lembranças invadindo sua mente Neófita. Senta-se, respira fundo e fecha os olhos. O lacaio abre a porta devagar e se aproxima de Milena. Cruza os braços de sua senhora sobre o peito e coloca um castiçal ao chão, ao lado da poltrona, cantando uma canção ritualística, fazendo o sinal da cruz em seu rosto.


...Fim


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