Sombras da Meia-Noite - Capítulo Quatro
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Ricardo abre os olhos devagar. O quarto bastante escuro, nenhuma vela acesa. Mas pode ver Milena de pé à sua frente.
— Acordada tão cedo?
— Já anoiteceu há duas horas. Ficamos muito tempo parados, quase cinqüenta anos. Precisamos treinar e nos fortalecer. Peguei mais sangue, fiz uma reserva, mas não podemos guardar, precisamos consumir imediatamente. Lembre-se o que lhe falei sobre beber sangue morto.
— Então, vamos guardar em nosso corpo. Depois, vamos treinar.
Ricardo levanta-se da cama num salto e acompanha Milena.
O casal Tremére senta-se no sofá, de frente um para o outro.
— Concentre-se agora.
Ricardo fecha os olhos e respira fundo.
— O que está ouvindo?
— Um choro... um choro de um bebê.
— Ótimo... consegue separá-lo dos outros sons?
— Nitidamente.
— Ok. A que distância?
Ricardo concentra-se.
— Trinta quilômetros.
— Maravilha! Pode sentir o cheiro?
— Sim... a mãe dele está chegando perto... acho que ele fez besteira!
Os dois sorriem.
Uma confusão de pratos voam rapidamente no espaço físico da sala de estar. Em cada extremo, Milena e Ricardo com os braços levantados e os olhos fechados. Os pratos voam em alta velocidade, sem tocarem-se, sem tocar em Milena ou em Ricardo.
— Mais rápido!
À ordem de Milena, os pratos voam mais rapidamente, sob o comando dos Tremére. Ricardo e Milena caminham, um para o outro, entre os pratos, sem tocarem neles. Milena estende os braços para cima e os pratos param no ar, acima de suas cabeças. Ricardo, devagar, os conduz para o sofá, onde os empilha sem quebrá-los. Milena abraça Ricardo, os dois fazem um laço de sangue.
— Vamos nos casar.
— É o que quero, Ricardo. Não vou me casar com Lázarus.
— Ué, mas por que não?
O casal pressente a entrada de Lázarus. Os três vampiros auspícios se olham ameaçadoramente.
— Então... você é Lázarus.
Ricardo olha bem para o Malkavian a sua frente.
— Lembra-se de mim, Ricardo? Daquela noite de seu abraço?
O olhar de Ricardo de repente fica distante. As imagens da noite fatídica passam como filme. Milena intercedendo por sua vida, Lázarus jogando seu corpo sem piedade, o abraço com toda sua morte dolorosa e traumática. Tudo isso passa em seu interior, e Ricardo se transforma, seus olhos dourados brilham, seus caninos crescem, seu instinto animal aflora, seus pensamentos se confundem num turbilhão. Lázarus observa a mudança no Tremére.
— Vejo que se lembra perfeitamente bem.
Ricardo voa com toda a sua força interior e joga Lázarus contra a parede, ficando por cima dele, pronto para estraçalhar o Malkaviano de sangue fraco.
— Ricardo, pare.
A voz calma de Milena tira Ricardo do transe, que volta ao normal, para o lado de sua senhora.
— Obrigado.
O agradecimento de Lázarus a irrita mais.
— Não me agradeça, não fiz isso por seus belos olhos.
Os olhos de Lázarus brilham avermelhadamente.
— Ainda não é a hora, mas me deu uma vontade louca de deixá-lo terminar o serviço, até de ajudá-lo.
— De qualquer forma, agradeço, milady.
— Lázarus, o que quer aqui? Sabe que está em meu território, e terei todo o apoio da Primigênie para trucidá-lo e fazer experiências com minhas substâncias e poções taumaturgas.
— Querida, sabe o que eu posso fazer com você?
— Nada.
— Engano seu. Posso denunciá-la à Camarilla.
Milena fica estática. Lázarus apenas sorri, olhando a sensual vampira à sua frente.
— Você quebrou uma das seis tradições da Camarilla. A máscara.
Ao ver Milena parada, Lázarus caminha devagar, em sua direção. Ricardo se contém para não arrancar as amígdalas dele.
— Sabe que está errada. Se eu te denunciar, você será exterminada pelo Príncipe.
— Meu pai já foi abraçado. Não há mais problema.
— Seu pai foi abraçado por mim. E ninguém mais sabe, a não ser os Malkavian. E eles não querem ir contra mim, você não acha?
— Você não pode provar.
Lázarus vagarosamente tira um papel do bolso. O sangue de Milena congela. Como havia se esquecido?
— Tem certeza que não posso provar?
Com seus olhos Milena focaliza sua própria letra no envelope, nas mãos de Lázarus, escrito “Papai”.
— O que você quer?
— Quero que se case comigo.
Ricardo não consegue acreditar no que ouve.
— Ah, não! Eu vou pegar esse idiota!
— Você é apenas uma Criança da Noite. Está sob tutela de Milena. Eu sou um Ancilla. Mesmo de gerações diferentes, meu caro, sou bem aceito na Camarilla.
— Minha mãe era uma Anciã dos Tremére, uma grande representante do clã nesta região e internacionalmente conhecida e você a matou. Não creio que seja bem aceito na Camarilla.
— Não há testemunhas de que eu exterminei Lady Anthonya. Para me acusar, tem de se ter provas. Vejo que estou bem à frente de você, querida.
Milena olha para Ricardo.
— Não vou interromper o casal. Vejo que estavam bem ocupados quando cheguei. Nos vemos então na reunião da Primigênie, o Príncipe deseja vê-la. Nestes últimos anos, você desapareceu com sua senhora. Uma anciã foi despertada recentemente. Creio que ouviu rumores a este respeito. É uma Tremere e estará na Primigênie. Estão todos impressionados com o fato de ter ressuscitado. Ah, você não tem escolha. Você irá. Se não for, a denunciarei lá mesmo. Será na sexta. Bem, com licença.
Lázarus sai. Milena sente suas faces arderem.
— O que vou fazer?
Ricardo a abraça.
— Eu não sei.
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