Sombras da Meia-Noite - Capítulo Cinco

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Àquela hora da madrugada, os bares estavam fervilhando. As ruas pipocando de gente de todo o tipo, raça, cor, classe social, enfim, muita gente se divertindo junta. Mas não só esse tipo de gente se divertia.

Sheyla e dois garotos entram na fila de uma boate. Todos na fila observavam, mas não falavam nada. Sabiam quem ela era e que não deveriam nem sequer olhar por muito tempo. Ela gostava disso, lhe dava um ar de superioridade. Sempre que chegava em um local, olhavam-na desse jeito, um misto de medo e respeito. Já era conhecida por ali, tinha autorização do dono da boate para entrar de graça. Até ria disso. É claro que entraria de graça.

Sheyla entrou na boate seguida pelos dois garotos e foi direto para a sala da gerência. O dono, um homem com uma aparência de trinta e nove anos de idade, a recebeu.


— Senhora, que bom recebê-la novamente.

Ele era apenas um Neófito, abraçado por ela. Fazia parte de seu clã, os Brujah. Era bastante conveniente não ter problemas com a justiça dos humanos e usufruir de uma boate da cidade quando bem entendesse. E aquele vampiro tinha verdadeira adoração por sua senhora. As pessoas não entendiam, pois ele era aparentemente mais velho do que ela, mas ninguém imaginava que ele teria sessenta e três anos e ela, com sua pele de seda, seu rosto de garota, trezentos e doze anos. Era Anciã de seu clã na cidade. Muito respeitada por todos, adorada por sua casta. Suas Crianças da Noite, que a acompanhavam, já caíram na dança, e cercavam duas humanas. Olhando de cima, Sheyla se preocupou.

— Isso não vai dar certo.

Sabia que os dois garotos acabariam matando aquelas duas humanas. Mas, naquele momento, uma coisa corroía seus miolos.

— Raposo, Raposo!

— Diga, minha senhora. O que a preocupa?

Sheyla respira fundo.

— Uma vampira, uma vampira que conheço de alguns anos. Aliás, a vi poucas vezes, mas uma vampira poderosa.

— Ninguém é mais poderoso que você, Senhora.

— Ela é bem mais nova que eu. Mas é de geração antiga, bem treinada, do clã Tremére. Tem algumas vantagens, e agora, ressuscitou. O boato corre na Primigênie, todos estão sabendo. Uma anciã ter despertado recentemente acabou por encobrir a história da ressureição dessa vampira, do mesmo clã. Mas ela ainda me preocupa.

— E o que a preocupa?

— Eu não sei exatamente. Pressinto uma guerra, uma guerra muito ruim. E eu não quero estar do lado mais fraco.

— O seu lado é o lado mais forte.

— Ah, Raposo, que saco! Fica me babando o tempo todo!

Sheyla sai da sala da gerência e desce à pista de dança num piscar de olhos, no instante em que os garotos morderiam as humanas, e os tira de lá, segurando-os pelo pescoço, um em cada mão, trazendo-os para o primeiro andar da boate. Tudo isso numa velocidade impressionante, que nenhum dos presentes notou a olho nu o que acontecera. As duas humanas ficaram confusas, ante o repentino desaparecimento dos garotos, mas atribuíram o fato à bebida que consumiam.

No momento em que chega ao primeiro andar, Sheyla depara-se com um vulto negro, alto, parado. À primeira vista, não reconheceu. No escuro, não dava para ver a fisionomia. A voz, clara, que ouvira poucas vezes, ressoou em seus ouvidos, mesmo com aquela confusão de sons da boate.

— Stulbach mar lit von ahzan, ana back. Stulbach ana ahia, Sheyla.

Devagar, o desconhecido sai das sombras, e Sheyla pode ver um par de olhos verdes brilhantes, penetrantes.

— Milena.

— Boa percepção, Brujah.

— O que quer?

— Conversar.

— Desde quando os misteriosos Tremére conversam com alguém?

— Desde agora.

— Só que agora eu não estou a fim.

Sheyla vai saindo. Milena estende uma das mãos e Sheyla fica paralisada.

— Por que vocês adoram fazer isso? Saco!

— Eu disse que vamos conversar.

Com uma força incrível, Sheyla consegue se movimentar. Com a mão esquerda, atinge o rosto de Milena. Quando esta se recupera, Sheyla já desaparecera com rapidez. Milena sorri.

— Como se fosse possível fugir de um auspício. Bem... pensei que ia ser mais fácil, mas vejo que vou ter um pouco de... digamos... diversão.

Com seus olhos brilhantes, Milena observa o local, e caminha devagar. Seus ouvidos atentos a todo o som, a despeito da música alta. Podia ouvir vozes as mais diversas, conversas de todo o tipo, mas a voz de Sheyla não estava ali. Estava em silêncio. O cheiro da Brujah era inconfundível. Ainda estava na boate. Haviam outros vampiros ali, mas estavam ocupados demais com humanos. O de Sheyla, não. O de Sheyla era misturado com fuga, preocupação, atenção. Milena não teve dúvidas. Estava saindo da boate, pela porta dos fundos.

Milena desce as escadas num vôo, mas ninguém estava preocupado em observar esse pequeno detalhe. Ótimo. Continua seguindo o cheiro da vampira. Com seus sentidos aguçados, quase fica asfixiada com o cheiro amplificado dos banheiros. Saiu pela porta dos fundos, ninguém. Mas ela estava ali. Em algum lugar. O cheiro dela estava impregnado no ar.

Com a rapidez de uma Brujah de trezentos anos, Sheyla cai por cima de Milena, e a atira para o alto. Com um giro no ar, Milena desce ao chão suavemente.

— Vai ser divertido, Brujah.

Sheyla não a ouve. Seus movimentos são rápidos, tanto que olhos humanos nem perceberiam sua presença. Mas os olhos de Milena não são humanos. Aguçadamente, acompanha cada movimento dela. Ao passar perto de seu rosto, Milena estende uma das mãos, acertando-lhe um golpe no pescoço, fazendo-a cair de pé ao chão. Imediatamente, Sheyla se recompõe e movimenta-se rapidamente de novo, o suficiente para acertar alguns golpes em Milena, sem que ela tenha tempo de reagir. Mas, mesmo recebendo estes ataques, Milena reage. Voa e estala os dedos, e uma tora de madeira vem às suas mãos. No momento em que percebe o movimento de Sheyla para suas costas, salta, com os dois pés na parede, ganha impulso e atinge as pernas de Sheyla com a madeira. Sheyla cai ao chão novamente, mas de pé, como um gato.

— Zían Tremére! - Maldita Tremére! -

Milena apenas estende uma das mãos e chama a Brujah com os dedos. Sheyla avança para ela com todas as suas forças, e Milena realmente sente-se fraca, diante dela. As duas vampiras voam em direção ao outro lado da rua deserta, o corpo de Milena sendo jogado contra a parede. As mãos em volta de seu pescoço são como cadeias de aço. Se Milena precisasse de ar para sobreviver, estaria morta. Limitou-se a olhá-la, dominando-a. Quando sentiu a guarda baixar, desferiu um soco no seu rosto. Sheyla voa na direção contrária, desta vez o seu corpo é jogado contra a parede. Milena voa atrás dela.

— Fugindo? Ah! Agora que tá ficando bom!

Levantando os braços, pedras no chão flutuam no ar. A um simples gesto com os dedos, todas elas são desferidas contra Sheyla, mas nenhuma a toca. Batem na parede e caem no chão, todas. Sheyla demonstra o medo em seu rosto, começa a correr pelas paredes, subindo ao telhado da boate. Milena voa e a encontra no topo da construção.

— Ante lofta made ahz. - Você vai me ouvir. -

— Vá à merda.

Sheyla salta e dá a volta ao corpo de Milena, acertando-a pelas costas. Milena vira-se, mas ela já não está lá. Já voltou ao seu lugar, e agarra seu pescoço. Milena estala os dedos e assopra. Grãos de areia do chão atingem os olhos de Sheyla, que se afasta. Este é o momento que a Tremére estava esperando. Desfere socos e golpes diversos, em diversas proporções no corpo da Brujah, que desiste.

— Vamos conversar agora?

As duas vampiras, de castas diferentes, após uma briga, resolvem entrar em um consenso. No Dark World, manda o mais forte. Naquele momento, Milena tinha sido mais forte. Sentam-se no parapeito. Com seus sentidos, Milena observa se há algum vampiro auspício por perto. Malkavian, Toreador, Tremére, estavam longe o bastante. Podiam falar à vontade.

— Tenho um problema, com um certo vampiro intrometido.

— Deixa ver se eu adivinho: Lázarus.

Sheyla sorri. Milena não move um músculo.

— As notícias correm depressa no Mundo das Sombras.

— Não se fala em outra coisa: a aprendiz de Lady Anthonya ressuscitou, por obra de Lázarus. O Príncipe quer vê-la na Primigênie, etc, etc.

— Eu devia imaginar. O problema é que ele armou um cerco contra mim, e eu preciso me defender dele. Consegui aliar Clóvis e os Nosferatu. Quero você e o seu clã comigo.

Sheyla fica de pé.

— Estarei do seu lado.

Em uma fração de segundo, Sheyla estava a poucos centímetros do rosto de Milena, olhos nos olhos.

— Mas não faço isso por você. Faço por mim. Sei que vai haver uma guerra aqui, eu quero ficar do lado mais forte. Com a força e a rapidez dos Brujah, a potência e a ferocidade dos Nosferatu, a taumaturgia dos Tremére, seremos um grande grupo.

— Não conte com os Tremére. Conte apenas comigo e com Ricardo. Somos de gerações antigas, mas eu sou apenas um Neófito. Mesmo tendo sido bem treinada por minha senhora, não creio que possa medir forças com os Tremére. Soube que terão um novo líder.

— Sim... a nova anciã. Está bastante quieta para uma anciã que acabara de despertar, e em três dias matara quase trinta.

— Bom, somos um grande grupo, como você disse. Não creio que Lázarus consiga juntar um grupo de poder como o nosso. Mas não posso arriscar. Não podemos usar força física com ele, se pudesse, já tinha feito isso. Temos que fazê-lo parar de me atormentar, de alguma forma...

— Já entendi. Você não tem um plano.

Milena confirma.

— Vamos pensar em alguma coisa. Enquanto isso, a gente cozinha o juízo dele.

— Como?

— Você precisa ir à Primigênie?

— Se não for, ele vai me arruinar. Preciso ir.

— Ok. Até lá, penso em alguma coisa pra comer o tempo. Mas... afinal... o que ele quer?

— Casar-se comigo, laços de sangue, unir os clãs.

Sheyla gargalha.

— Aquele pentelho deve ter alguma coisa contra você, pra você ficar preocupada com ele. Casar com você?! Ele não tem nenhuma chance!

— Você acertou na mosca. Ele tem uma coisa contra mim, um argumento forte, acho que o único que ele poderia ter.

— Então, você tá encrencada. E quanto à nova anciã?

— Não sei quem é, nem o que fazer. Acho que quando souber, estarei morta. Ou me alio a ela, ou ela me mata. Talvez ela não pergunte.

— Bem, vou indo.

— Temos um trato. Nos vemos na sexta.

— Ok. Até lá.

Sheyla sai rapidamente, Milena não se preocupa em segui-la com o olhar, ela desaparece na noite, a não ser por seu cheiro, que Milena ainda sente. Agora que tinha os Brujah e os Nosferatu como aliados, precisava pensar em alguma coisa pra acabar com Lázarus. E rápido, antes que ele acabe com ela.

Milena caminha pela rua escura. Fareja o cheiro que procura. Seria bastante arriscado, mas tinha que tentar. Depois das ameaças de Lázarus, precisava se unir a alguém. Mas uma coisa martelava em seus pensamentos: A anciã Tremere. Nenhum de seu clã era bom o suficiente para tomar o lugar que pertencia à sua Senhora. Afinal, sua geração era a mais antiga. Milena foi abraçada diretamente por Lady Anthonya, uma Anciã da sexta geração. Praticamente todos os Tremére que conhece por aqui são descendentes dela. Todos de geração bastante avançada. Quanto mais pensava, menos tinha idéia de quem seria este Ancião.

Milena olha para um bueiro no chão, se abaixa e retira a tampa de ferro, se jogando dentro da galeria.

Caminha devagar, a água pluvial escoando no chão. O local sem iluminação. Milena sente no ar um cheiro diferente do cheiro de esgoto. Capta uma presença e seus olhos brilhantes podem ver, ao se virar, uma fera se aproximar com bastante animalismo. Os caninos de Milena crescem e de sua garganta escapa um rugido feroz. Os pelos da fera se retraem para dentro do corpo, mostrando uma pele normal, seus olhos tornam-se negros, seus caninos retraem e seu corpo volta ao corpo de homem.

— Milena?

O Nosferatu a reconhece. Os olhos de Milena voltam ao normal, seus caninos também. Respira fundo.

— Clóvis.

— Senti cheiro de vampiro. — Clóvis deu de ombros.

— Preciso de sua ajuda.

Clóvis riu. — Aconteceu alguma coisa?

— Lázarus. Deve conhecê-lo, se tornou influente de uns tempos prá cá.

— O Malkaviano idiota que pensa que é alguma coisa.

— Está me ameaçando. Quer que eu me case com ele, com laços de sangue e tudo. Na verdade, ele quer unir o clã Tremére com o Malkavian, só pode ser isso. Ele me odeia!

— Você pode sozinha contra o lunático. Só sua força física, que nem é um atributo de seu clã, faria o trabalho.

— Ele tá me ameaçando denunciar à Camarilla. Ele tem uma prova contra mim. Posso ser exterminada por quebrar a Tradição da Máscara.

— E você fez isso?

Milena reluta.

— Sim. Contei tudo para meu pai biológico numa carta que Lázarus interceptou. Está com ele agora.

— Então, você tem apenas uma saída: exterminar seu pai biológico.

— Não posso fazer isso. Na verdade, nem preciso. Ele é um Malkavian. Lázarus o abraçou. Mas ninguém pode provar. Ele o mantém escondido e seu clã não o trai.

— Como quer que eu a ajude?

— Você é um Ancião Nosferatu.

Rugido em resposta.

— O Príncipe quer me ver, estarei na Primigênie de sexta, preciso de alguém por mim.

— E o que eu ganho com isso?

— Você deve ter ouvido rumores sobre um novo ancião, recém despertado. Uma anciã, na verdade. Estará lá. Tremére. Algo de muito ruim vai acontecer. Ela já destruiu, em alguns poucos dias, quase trinta neófitos, além de quase dizimar uma parte de uma favela. Ela é impossível de ser contida, mas parou. Você sabe como os anciões agem quando são despertados. Eu não sei quem é ela, mas é perigosa. Não se sabe sua idade e sua origem, nem mesmo sua geração. Mas tenho medo da Jyhad. Não sei se sou valiosa, mas sou da sétima geração, apesar de ter apenas cinquenta anos como vampira. Sou a vampira mais poderosa entre os Tremere, mas com a chegada dessa nova anciã, obviamente estou sem chances. Ela poderá me matar, rapido. Sem luta, em dois segundos. Preciso de unir-me a outro clã.

— Ouvi falar dela. Mas ela parou de matar. Está quieta. Tem algo em mente. Ela é letal, mas tem algum plano. Não quero estar do lado perdedor, mas não vou perder meu território para um Ancião Tremere. Terei o maior prazer em te ajudar, por enquanto.

— Bem, vou indo.

— Até sexta-feira.

Milena alça vôo, saindo pelo bueiro aberto.



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