A Dríade do Mar - Capítulo Oito (Final)

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Era hora de voltar. Saímos daquele lugar em direção ao mar, correndo de mãos dadas. Eu mal podia acreditar no que via. Foi quando Thalassa parou, na areia branca, virou-se e me olhou. Seus olhos brilhavam num tom rosa forte, com uma intensidade que não conseguia conter.

"Charles, olhe para mim. Você ainda gosta de mim, mesmo eu estando assim?"

Olhei para ela. Ela ainda tinha dúvidas?

"Thalassa, eu amo você. E isso não tem nada a ver com seu cabelo. Ele é lindo, mas você é linda, e toda você é assim. Eu amo sua voz, seu jeito de falar, seu coração. Você é bem mais que seus belos cabelos rosados."

Ela sorriu, e começou a tirar as roupas masculinas. "Vamos, precisamos nos apressar. Preciso ver minha mãe."

Quando estava nua, tomou minha mão e corremos para o mar. Mas antes que seus pés tocassem a água salgada, ela virou-se para mim, me abraçou e me beijou nos lábios.

"Eu também te amo, Charles."

Então, mergulhamos.


Nadamos, desta vez não em círculos, e pude perceber o quão perto estávamos. Mas era como se estivéssemos em outra dimensão, por isso ninguém nunca captou a cidade dos efidríades. Logo avistamos a cidade e sua cúpula. Vários efidríades estavam agitados, do lado de fora, nadando e nadando, olhando de um lado para outro.

Um deles se aproximou de nós, mas logo parou ao ver a princesa. Seu rosto mostrava medo, seus olhos alaranjados como seus cabelos e sua calda estavam arregalados e sua boca formava um "O". Mas Thalassa não lhe deu atenção e seguimos para a câmara na entrada. A água foi escoada, à medida que o ar entrava. As pernas de Thalassa apareceram, e ela era simplesmente linda, não podia deixar de admirá-la.

Mas eu conhecia as regras naquele lugar, e o medo de morrer falou mais alto. Desviei o olhar e baixei a cabeça antes de adentrarmos a cidade. Thalassa percebeu, segurou meu rosto entre as suas mãos e me beijou. Em seguida, deu-me sua mão e entramos.

Vários efidríades saíram de suas casas para ver a princesa. O medo estava estampado no rosto de todos. Claro. Aquilo era uma clara investida da princesa contra as regras, e significava que os efidríades morreriam sem a presença do Sangue Original entre eles. Se Thalassa não se casasse com o príncipe, tudo estaria acabado, aquela cidade seria reduzida a bancos de corais. Ela não teria filhos, e, ainda que vivesse uma centena de anos, quando morresse, todos morreriam.

***


Quando chegamos ao palácio, a rainha já nos esperava, e não tinha cara de muitos amigos.

"O que você pensa que está fazendo?" gritou ela para a filha. "Está maculando nosso nome e nosso sangue!"

"Não vou me casar, mamãe."

"O que disse?"

O medo agora tomava conta de mim. Havia um poder emanando de mãe e filha, algo palpável, e eu agora sabia porque nenhum predador se aproximava das águas onde efidríades se encontravam. Olhei para elas discutindo, mal conseguindo acompanhar o que diziam.

"Encontrei o príncipe na superfície. Ele esperava por mim."

Acidália não respondeu. Estava atônita. Thalassa continuou.

"O príncipe Glauco estava lá, em sua forma humana, e me raptou."

"O quê? Mas isso é uma afronta! E ele não era esperado para hoje!"

"Ele de alguma forma já estava por aqui, e deve ter me visto subir. Me raptou, me levou para uma casa, e exigiu... minhas obrigações de esposa."

Acidália não conseguia respirar.

"Quando o neguei, me humilhou, e disse que eu voltaria para meu reino com a humilhação da nossa espécie."

"Raspou seus cabelos."

"Ele diz que me repudiou, e que nossa raça está perdida. Mas eu não o quero, mamãe. Eu já fiz minha escolha, eu escolhi Charles."

Acidália dirigiu seu olhar para mim, e quase senti que minha pele queimava. Em silêncio, ela se virou e caminhou em direção a um canto. Em seguida, voltou-se, e seus olhos verdes tinham algo de diferente neles.

"Filha... eu sei... eu sei bem como é... mas não vou cometer com você o mesmo erro que meus pais. Eu agora sei o que fazer. Vou salvar nosso povo."

"Como?"

"Não se preocupe."

E se retirou. Thalassa olhou para mim, num misto de felicidade e desespero.

***



Uma gritaria me acordou. Eu estava em meus aposentos, quando ouvi passadas desesperadas e muitos gritos. Levantei-me de repente, pensando se aconteceu algo errado com Thalassa, mas ela foi uma das pessoas que encontrei desesperada na sala.

"O que aconteceu?"

"A mamãe! Ela não podia ter feito isso! Não podia!"

Thalassa correu para fora do palácio, e eu a segui. Ela chorava muito, e muitos efidríades choravam pelas ruas também. Thalassa apontou para cima.

"Olhe."

Olhei na direção que apontava. Lá estava, e era inacreditável.

Uma sereia magnífica, com a calda verde brilhante e cabelos verdes e tons azulados, flutuava próximo à cúpula da cidade. O seu sangue fluía dos pulsos e do pescoço, tingindo a água fora da cidade de vermelho.

"O que...!"

"Ela fez o sacrifício!"

"Que sacrifício?"

"Não sei exatamente, mas nosso povo tem vários rituais sagrados. Não sei do que se trata este, mas os pontos que cortou, pulsos e pescoço... foi um sacrifício de sangue específico, tenho certeza! Oh mãe, o que você fez!"

Thalassa escondeu o rosto entre as mãos e eu a abracei. Algo havia ali.

"Thalassa, sua mãe disse que resolveria o problema. Precisamos saber que tipo de sacrifício foi esse. Ela não deixou nenhum bilhete?"

Os olhos dela brilharam. "Sim. Acho possível! Vamos!"

Correram para os aposentos da rainha. Ao chegar lá, tudo parecia normal, em seu lugar. Objetos de toucador, uma cama, um outro aposento fechado. Thalassa tentou a porta, mas estava trancada. Era uma pesada porta de metal de algum submarino. Thalassa já sabia como abri-la. Em seguida, estávamos do outro lado.

Havia uma mesa e uma cadeira, uma grande arca trancada, e um papel, daqueles que já foram fabricados por mim usando as fibras das algas como matéria-prima. Chegamos perto do papiro esverdeado. Ela o pegou, estava escrito com símbolos que eu não conseguia decifrar.

"Thalassa. Sei que você fez sua escolha, então respeite a minha. Não se sinta culpada, foi minha escolha, e o fiz por meu povo. O ritual que fiz é simples. Troquei minha vida, o Sangue Original vivo mais antigo, pela vida de toda a espécie. Mas há condições. Todos os efidríades viverão, mas na superfície, sobre duas pernas. A cada noite de lua cheia, todos deverão voltar ao mar. Suas pernas darão lugar à cauda enquanto durar a lua. Em seguida, poderão voltar aos seus lares, na superfície. Se um efidríade não estiver na água no momento da lua, morrerá. É tudo o que posso oferecer. No mais, viverão centenas de anos, como sempre. Mas desta forma. E lembre-se: os humanos não podem nunca saber quem somos. Adeus, minha filha, amo você."

Um sacrifício.

***



A cidade dos efidríades foi abandonada. Não fazia mais sentido ela existir. Todos foram se despedindo aos poucos, prometendo se encontrar naquela enseada a cada lua cheia. Amigos foram feitos, outros seguiram com suas vidas. E eu e Thalassa nos mudamos para uma bela casa à beira do mar. Em pouco tempo nos acostumamos à rotina, e aos passeios de lua cheia pelo mar. Thalassa não podia me levar, pois não podia voltar até o cumprimento da lua, e não havia mais a cidade submersa, para que eu pudesse respirar.

Mas sempre vinha me ver à noite, à beira do mar, e ficávamos juntos. Quando a lua se encerrava, ela voltava, e vivíamos como um casal normal.

Eu sabia que ela tinha algo dentro de si, uma tristeza que nunca se curava. Seus olhos continham uma tristeza, uma melancolia, que o mar não retirava. E eu sabia que era pela falta da rainha Acidália, sua mãe.

A única coisa que lhe deu um sorriso de volta ao rosto foi Sirena.

Quando a linda menina nasceu, com os cabelos avermelhados e olhos acobreados, soubemos que se tratava de uma ninfa, filha de uma efidríade com um humano. Mas não sabíamos como ela reagiria ao mar, até o dia em que a levamos, na primeira lua cheia.

Quando o corpinho do bebê tocou a água salgada, foi como soltar um peixinho de volta à água. Ela sabia o que fazer, e nadou, e nadou, mesmo não tendo uma cauda. Não sabíamos se um dia ela a teria. Mas esperávamos que amasse o mar tanto quanto amávamos.

***

"Vamos, Thalassa, estamos atrasados!"

"Estou indo!"

E as mulheres de sua vida vinham magníficas em sua beleza: Thalassa e Sirena. Entraram no carro e foram para o restaurante que haviam combinado.

Após a refeição, Sirena havia sumido.

"Onde ela está?" Thalassa estava desesperada, e eu procurava pelo restaurante, até encontrá-la próximo à porta de saída. Ela falava com alguém.

"Sirena!"

Ela virou-se, seus cabelos vermelhos balançando. Olhei com quem ela conversava, uma mulher bastante alta, esguia, que estava de costas para nós. Sirena veio correndo, mas eu não conseguia tirar os olhos da mulher. Thalassa chegou logo depois e abraçou a filha. Quando ela percebeu para onde eu estava olhando, congelou ao meu lado.

"Charles!"

Então ela correu atrás da mulher, que saía para a calçada.

"Quem era ela, Sirena?"

"Aquela mulher bonita? Não sei... ela era simpática... você viu o cabelo dela, que lindo?"

Neste momento, Thalassa voltava pela porta, os olhos tristes, e uma expressão negativa no rosto. Não conseguira alcançá-la.

"Vi sim, minha filha, eu vi."

"Eu nunca tinha visto cabelos tão bonitos. Só os da mamãe. Só que os da mamãe são cor de rosa, assim como seus olhos... os daquela mulher..."

"São verdes." eu completei.

Então, fomos embora, e nunca mais vimos a bela mulher.




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