Olhos da Meia-Noite - Capítulo Seis

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Era um dos momentos que mais gostava, depois de ficar com Ricardo. Voar pela noite, sentir o vento, a escuridão tomar o seu corpo. Era perfeito. Desceu e tocou o chão. Aquela rua trazia muitas lembranças. Foi a rua em que foi abraçada por lady Anthonya, onde lutou por Ricardo tantas vezes. Sempre voltava ali, para relembrar sua passagem de uma vida para outra. Olha para frente e vê Lázarus caminhando em sua direção, sempre acompanhado pelo outro Malkavian.

— Veja só o que temos aqui!

Os olhos de Lázarus brilham ao encontrar o olhar de Milena.


— Se quiser, podemos dividir a caça com você.

Os dois Malkavianos sorriem. Milena continua calada.

— Já deve ter sentido o cheiro do sangue fresco pulsando nas veias de um idiota infeliz que vem vindo por aí. Vamos armar uma emboscada. Se quiser, pode vir.

Os dois gargalham.

— Não vamos compartilhar de seu mau humor da última vez.

— Por mim, vocês podem ir pro inferno!

— Que gentileza a sua, Tremere.

Lázarus se aproxima de Milena e começa a falar em seu ouvido.

— Mas não se preocupe. Vamos tratar de você uma outra hora.

Milena vira-se para ele, rugindo. Os dois dão um salto e voam, saindo dali. Milena continua a caminhar, mas pára de repente. Fechando os olhos, respira fundo. Abre os olhos rapidamente e vê Cachorrão se aproximar, com uma garrafa na mão.

— Isso é que é vida!

Evidentemente está bêbado. Ele se aproxima dela, reconhecendo-a.

— Você! Você arruinou minha moral! Me arrasou! Me deixou no chão! Vadia nojenta! Eu vou te matar agora!

Milena olha para ele, atormentado, e não se move, ante à violência com que ele agarra seu pescoço. Ela ainda sussurra:

— Saia daqui! Depressa!

— Não sem sua cabeça, filha da mãe!

Milena vê o corpo de Cachorrão ser içado nos ares rapidamente, por um vôo rasante de Lázarus. Os dois Malkavianos consomem seu sangue no ar, mutilando seu pescoço. Em seguida, seu corpo cai próximo a Milena, com muitas marcas de violência, mas intacto. Os vampiros fazem um ótimo trabalho. Lázarus se aproxima dela.

— O que foi, Tremere? Está com algum problema? Da primeira vez que te vi, você não estava comendo sua caça. Agora, tentou livrar esse projeto humano da morte. É por acaso alguma defensora da humanidade?

Milena continua calada, olhando para Lázarus seriamente.

— Por acaso está tentando ser mais humana, mocinha? Mas como você está tão forte! Andou se alimentando, não?

Lázarus caminha, Milena segue-o com os olhos.

— Ah! Esqueci! Os famosos rebanhos! Indigentes, prostitutas de rua, mendigos, gente que não faz falta à sociedade.

Lázarus vira-se bruscamente, ficando com seu rosto próximo ao de Milena. O outro Malkaviano apenas assiste a cena, um sorriso passeando em seus lábios satisfeitos.

— Por acaso eles também não são pessoas? Não são eles humanos? Vocês se alimentam deles e tentam proteger os outros, mas estão matando do mesmo jeito. Não faz diferença! E ainda me recriminam por tratar todos os humanos igualmente. Todos são caça pra mim! Todos!

O outro Malkaviano sorri.

— Cala a boca, idiota!

Ante a explosão de Lázarus, o Malkaviano fica sério, assustado.

Com a voz calma, Lázarus continua falando para Milena.

— Você não precisa ficar aqui me ouvindo, Tremere. Como você mesmo disse, é muito mais forte que nós dois juntos. Somos Malkavianos da décima segunda geração. Somos fracos. Pode ir embora. Mas você não vai, e sabe por quê? Porque sabe que tudo o que eu estou dizendo é verdade. Porque não vai se tornar mais humana controlando sua Shufi de uns e se alimentando de outros. Porque eu fazia parte de um rebanho de Malkavianos e acabei me tornando um deles por causa de um idiota que tenho de chamar de Senhor! Tudo isso é uma merda!

Lázarus sai voando rapidamente, seguido por seu comparsa, deixando Milena sozinha com seus pensamentos.


***

Milena entra na mansão e anda de um lado para outro, furiosa. Lady Anthonya desce as escadas e sente o cheiro do ódio, impregnado na sala de estar.

— Aconteceu alguma coisa? Chegou cedo e senti o cheiro de preocupação...

Milena se vira bruscamente.

— Fale a verdade!

— Que verdade? Do que está falando?

— Não existe esse negócio de humanidade, né? É tudo uma farsa!

— Por que está dizendo isso? Existe sim, é claro! Você deixa de matar humanos, vai se tornando mais humana e morre para atingir o Saraha, o Paraíso.

— É exatamente isso! Deixar de matar humanos! Nunca deixamos de matar humanos! Aqueles que estão lá no porão, aqueles miseráveis também são humanos! Estavam em seus lugares, quietos, quando um vampiro chegou e os tirou de lá, trazendo pra uma prisão pra servir de comida de abutres!

Lady Anthonya olha fixamente para Milena.

— Não estou entendendo você.

— Está sim! Aqueles que estão lá embaixo, mesmo que sejam marginalizados pela sociedade, também são humanos. Estamos matando humanos! Não há o controle da Shufi!

Lady Anthonya larga seu corpo num sofá.

— Zían von Ahzan!

— A quem estamos tentando enganar?

Lady Anthonya olha para Milena, respirando fundo.

— Entendo. Mas vivi durante séculos numa época em que negros, mendigos, indigentes e prostitutas nunca foram seres humanos, e hoje não é muito diferente dos séculos anteriores. As pessoas apenas fingem que aceitam, mas por dentro, continuam as mesmas preconceituosas. Bem... me perdoe... eu só queria fazer o certo...

— Não é certo pisar na classe mais baixa para atingir os próprios objetivos. Aprendi isso quando era humana... aprendi isso... com minha mãe.

Lady Anthonya olha para Milena, que se ajoelha diante dela.

— A senhora vai continuar sendo minha mãe. E se quisermos deixar essa eternidade para vivermos uma eternidade no Saraha, se quisermos nos tornar humanos de novo para morrer em paz, temos que parar de matar humanos, e isso inclui nosso rebanho no porão.

— Vamos enfraquecer a cada dia!

— E se enfraquecermos, o que vai acontecer?

— Não vamos poder lutar contra outros vampiros. Poderíamos até ser derrotadas por castas e gerações mais fracas que a nossa. Ou também enfraquecer até...

— ... morrer! Exatamente.

As duas se olham por um instante em silêncio, quebrado por Lady Anthonya.

— O que você sugere?

— Vamos libertá-los. Todos. Devolvê-los de onde tiramos. Causaremos neles perda de memória seletiva e os devolveremos. Poderão voltar à vida que levavam antes sem se lembrar de nada.

— É uma ideia.

— É uma ótima ideia. E vamos fazer isso agora.

— Agora?

— Sim.

Milena se levanta, estendendo a mão para sua Senhora.

— Vamos.

As duas se levantam e saem da sala. Aquela noite, muitos voltaram a sua vida, sem explicação alguma. Em um albergue, dois mendigos há muito desaparecidos retornaram, sem se lembrarem de nada. Quatro prostitutas são deixadas na frente de uma casa de massagem. Quatro homens maltrapilhos são deixados em frente a uma delegacia.

Finalmente, Milena e Lady Anthonya sentem-se bem, agora, a humanidade parece estar bem mais perto. Estavam-na procurando de maneira errada. Por isso ela parecia tão longínqua, tão impossível, tão intangível. Agora, corrigido o erro, poderiam sonhar com o Saraha, o Paraíso. Ainda havia um grande obstáculo a ser enfrentado a ferro e fogo: a Shufi, que não seria fraca, seria de uma forma como jamais em suas vidas sentiram, e jamais sentiriam.


Voltar ao Capítulo Cinco          -             Continua...

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