Guerra Negra - Degustação

Esta é apenas uma degustação do livro Guerra Negra. Contem dois capítulos, para sua apreciação.



CAPÍTULO 01 - NOVOS HORIZONTES

Israel, outubro de 2021.


Keren estava pronta. Respirou fundo e entrou no avião. A comissária estava esperando que ela entrasse. Deu as devidas e educadas boas vindas e a acomodou em sua poltrona.

“Deseja beber alguma coisa?”

“Uma água sem gás, por favor”, pediu Keren. A comissária se retirou com um sorriso, e Keren se acomodou. Respirou fundo, seria uma longa viagem.

No início, sair do país não era exatamente uma ideia. Ela queria apenas sair de casa. Mas então surgiu a oportunidade num novo colégio. Nem soube exatamente como isso acontecera; de repente, tudo estava acertado. Iria para a New Order High School of San Francisco, Califórnia.

Sentiria saudades dos pais. Tudo bem. Ela queria sair justamente por causa deles, porque queria respirar. Sua família é judia ortodoxa, ou melhor, mais que isso, eram Judeus Haredi, ou ultraortodoxos, como chamavam por aí, e ela queria um pouco de paz. De certa forma, havia algo mais. Seu pai era um homem muito rígido, e sempre que ela o olhava, parecia emanar dele um poder e uma autoridade sobre ela que lhe dava calafrios. Ela sentia mais que respeito por ele: sentia medo.




A primeira coisa que fez foi quebrar com algumas tradições. Viajar sozinha já era o primeiro passo, mas ainda não entendia como seus pais compreenderam sua necessidade de liberdade. Obviamente foi bastante difícil no início, mas ela nunca achou que eles fossem concordar, principalmente seu pai. Acreditava que em algum momento teria que fugir. Mas, depois de um mês, eles não só aceitaram, como encontraram um lugar para ela ficar, um apartamento charmoso em San Francisco, e pagaram sua viagem em primeira classe, além de abrirem uma conta internacional para depositarem uma generosa mesada. Coisa que não fazia nenhum sentido.

Keren tinha pressa. Comprou roupas novas, cortou o cabelo, arrumou-se e lá estava ela. Sentada numa maravilhosa e confortável poltrona de primeira classe. 

“Sua água, senhorita.” 

A comissária havia voltado, e falara duas vezes com ela antes que ela recebesse a água. 

“Obrigada.” 

Keren estava distraída. A nova vida a aguardava, e mal sabia o que iria fazer assim que se visse totalmente livre. Pensaria por si mesma, agiria por si mesma... Mas, o que exatamente pensar ou fazer? Sempre teve suas opiniões regradas, tendo que obedecer as decisões da família. Fora criada dessa forma, por isso a liberdade era tão sonhada e ao mesmo tempo tão temida. 

“Tem medo de avião?”

A voz a acordou dos seus pensamentos. Voltou-se para a poltrona próxima à sua. Um belo rapaz, cabelos escuros, pele clara e olhos profundamente negros, que a perscrutavam. Ele parecia ser alto, e era muito bonito, e sua barba estava bem aparada. 

Como ela não respondeu, ele resolveu se adiantar.

 “O avião já decolou há quinze minutos e você não para de segurar fortemente o braço da poltrona e esta garrafinha. Dá para ver os nós dos seus dedos” ele disse em tom divertido. 

Keren sorriu e aliviou as mãos, nem tinha percebido esse detalhe. 

“Desculpe, eu não me apresentei. Me chamo Mohammed.” 

Keren quase soltou uma gargalhada. Estava profundamente acanhada, mas morrendo de vontade de flertar um árabe. Ele estava bem vestido, como um executivo, mas sem terno. Era jovem demais para ser um grande empresário? Teria uns 25? 26 anos? Ela, em seus 16 já estava quase sem fôlego, e tossiu para respondê-lo. 

“Me chamo Keren.” 

“Keren, um belo nome para uma bela moça. Encantado em conhecê-la. Então, é a primeira vez em um avião?” 

Ele não parecia um muçulmano, mas não poderia julgar pelas aparências. Ele tinha um nome muçulmano. Um nome que o identificava como “filho de Maomé”. Mas não podia afirmar, o nome já havia se popularizado. E, no mundo moderno, acreditar que um muçulmano teria que vestir túnica e turbante era demais. 

“Si... sim. Sim. É a primeira vez. Deu pra perceber?”

Ele riu de seu sorriso amarelo. 

“Quase nada.” 

Os dois sorriram. 

“E o que uma garota tão jovem e tão bonita está fazendo viajando sozinha para um lugar tão longe?”

Era verdade. Iriam atravessar o continente, o oceano, para chegar a praticamente o outro lado do mundo. Nunca havia saído de Israel, e agora faria uma longa viagem, cheia de escalas e conexões. Queria muito conversar com ele, mas, dizer a verdade seria dizer a ele que ela era mais jovem do que ele poderia imaginar. 

“Estou indo para um novo colégio...” 

“Mudança bem radical, não?” Ele sorriu, não parecia surpreso com a revelação de que ela estava em idade escolar. 

“Pois é...” 

“E para onde está indo?” 

“Para Califórnia.” 

Mohammed soltou um assobio. “Longe. Eu estou indo para Washington a negócios. Bastante longe, não é?” Ele continuou sorrindo, como para uma garotinha. Bem, Keren era uma garotinha. 

A conversa foi interessante e agradável, até que o telefone dele tocou e ele começou a falar em árabe. Ela, por viver há tanto tempo em Israel, entendia umas palavras soltas e se deu conta que se tratava de uma conversa de negócios. 

Relaxou em sua poltrona e, por mais incrível que pudesse parecer, estava dormindo rapidamente. E teve um sonho. Um sonho estranho, mas de certa forma familiar, de uma cidade linda, limpa e muito organizada. Uma cidade onde as ruas e os jardins eram belos e as construções reluziam e quase ofuscavam sua visão. Uma luz que parecia refletir a luz do sol. Parecia que já tinha estado neste sonho antes. 

Acordou com um tremor. E percebeu que, embora o sol parecesse não ter se movido no horizonte, já havia se passado horas. 

“Use isto.” Disse a comissária, passando para ela um tipo de viseira, com pequeninas lâmpadas, no momento apagadas. Independente da posição do Sol, ela simularia o dia e a noite para o cérebro, para que se acostumasse com o fuso horário do local de desembarque. “Vai aliviar os efeitos do jet lag.” 

“Obrigada.” 

Keren olhou para o assento onde Mohammed, já usando sua própria viseira, dormia suavemente. Ele era muito belo. 

Subitamente sentiu sono, e voltou a dormir. E voltou a sonhar com a estranha cidade reluzente.

***

Keren estava exausta. Passara por muitos contratempos, quase sua bagagem fora extraviada em Portugal, quase perdera o voo em Miami por dormir no saguão, quase não conseguira se despedir de Mohammed antes de embarcar, enfim. 

“Garota, espero revê-la, algum dia.” Dissera ele para ela. Trocaram telefones, emails, mas se realmente algum dia ele ligaria, bem, isso era muito diferente. Já era difícil reencontrar na mesma cidade alguém que não se vê há algum tempo, imagine em cidades diferentes, com praticamente todo o país no meio! 

Mohammed pegou outro avião para Washington, enquanto ela seguiu para San Francisco. Estava cansada e não via a hora de chegar. Chegar num lugar totalmente desconhecido para ela, viver sozinha. Tinha lá seu lado bom, não dar satisfações, usar a roupa que quiser, comer o que quiser, sair para onde quiser, enfim, viver. Mas sozinha ela não conseguiria tal liberdade. Que ironia do destino. Ela sempre iria precisar de outras pessoas? Quanta insegurança! 

O primeiro dia de aula foi estranho, como todos os primeiros dias de aula para os novatos. É sempre assim. Todos ficam olhando, observando... Keren já estava chateada por sua timidez. 

“Oi, meu nome é Maureen” disse uma linda garota se aproximando dela. “E o seu?” 

“Keren.” 

“Keren... você tem um sotaque diferente, de onde você vem?” 

“Ahn... de Israel...” 

Keren ficou um pouco receosa, com medo de algum preconceito... Não sabia se essa garota era como nos filmes americanos, em que sempre tem uma garota que faz da outra seu patinho feio para se sentir melhor. Sempre achou tudo isso uma grande baboseira, mas agora que estava diante de uma garota tão bonita, ficou com medo do complexo da “garota impopular”.

“Legal.” Foi só o que Maureen disse antes de se sentar ao lado dela. “Aqui é uma escola legal. Você vai gostar. É relativamente nova, tem uns 20 anos, e eu estou aqui desde o ano passado. Então, tecnicamente somos novatas. Você vai se sentir em casa.” 

Keren ficou fascinada com o desprendimento de Maureen. Finalmente um colégio normal, onde ela pudesse se sentir bem. O dia correu tranquilamente, e agora Keren tinha uma nova amiga. Ela era legal, e ela esperava se enturmar. 

A semana passou rápida, e logo veio a segunda. Recebeu um email de Mohammed, bastante formal, e se perguntou se ele fez isso somente por educação. 

Seus pais enviaram um dinheiro; ligaram perguntando sobre as instalações e não fizeram comentário nenhum, o que ela achou muito estranho. Nem fizeram perguntas. Mas, isso é tudo o que uma adolescente quer. Pelo menos no início. 

No fim da segunda semana, uma sexta-feira, Keren recebeu um convite interessante. 

“Uma festa?” 

“Sim! Ah, por favor, vamos? Vai ser legal. Um amigo nosso está fazendo vinte anos, resolveu dar uma festa na casa dele. Vai ser show!” 

“Hum... Ok, eu vou.” 

Seus pais não precisavam saber que passaria a noite inteira numa festa, cheia de adolescentes e jovens, garotos legais, muita bebida... Não era para experimentar essas coisas que ela se afastou de casa? 

Maureen parecia dar saltinhos de felicidade. E ela estava imediatamente empolgada com a festa. 

Uma festa legal, mas meio estranha. Tinha muita gente, mas não se via decoração nem nada. Não sabia quem era o aniversariante, ele aparentemente não estava lá. Maureen sequer a apresentou a ele. Simplesmente chegaram e foram entrando. 

Bem, foram entrando é modo de dizer. Havia um homem de quase dois metros de altura na entrada do jardim; um segurança que observava todos que se aproximavam. Keren e Maureen disseram seus nomes a ele, e ele permitiu a passagem. Parecia não precisar olhar numa lista de nomes, mas Keren não duvidava de que, se alguém não tivesse sido convidado, ele saberia. E teve calafrios ao imaginar o que um homem daqueles faria caso um penetra resolvesse arriscar passar por ele. 

Seus pensamentos foram imediatamente absorvidos pelo lindo jardim que se seguia. Um lado do jardim tinha um labirinto de flores, construído aparentemente para ser o que era: um labirinto. Perguntou-se se era uma brincadeira ou uma ameaça. 

Entraram na casa. A música era boa, e foram dançar. Keren não fora apresentada a ninguém; apenas dançara com Maureen. Nem sinal do tal aniversariante. 

Um cheiro de incenso invadia o ar, e Keren se sentiu um pouco tonta. Muita gente estava na casa. Keren procurou um lugar pra respirar melhor e viu um cara em cima da mesa, dançando loucamente, sem camisa, cheio de tatuagens pelo corpo. Ele não era musculoso, mas não era magro demais, era compacto. Seu corpo era bonito, sua pele branca, e seus cabelos eram muito pretos. Notou que ele usava lápis de olho (seus olhos estavam muito maquiados) e suas unhas eram pintadas de preto. 

Continuou sua caminhada pela casa em busca de uma janela, quando um grande relógio na sala deu doze badaladas. Keren achou aquilo super estranho, nem imaginava que no ano de 2021 pudesse haver um relógio como aquele. Para falar a verdade, só vira relógios como aquele em imagens do Google. 

O fato é que, enquanto o relógio dava as doze badaladas, lentamente, indicando que era meia-noite, um silêncio sepulcral se seguiu ao lugar, e todos, devagar, reuniram-se na sala, diante das escadas que levavam ao primeiro andar. Keren se uniu a todos, sem saber o que estava acontecendo. Maureen chegou junto dela, e parecia um pouco chapada. Mas todos, mesmo os que estavam neste estado, estavam quietos, em silêncio, e aguardavam alguma coisa acontecer. 

Foi quando elas desceram, vestindo capas pretas, com capuzes que cobriam suas cabeças, lentamente treze mulheres desceram as escadas de forma rítmica, diante do silêncio. Elas carregavam incenso e espalhavam sua fumaça por todo o lugar. Todos abriram espaço, e no centro, onde havia um grande tapete, elas se concentraram num círculo. E cantavam. Uma cantoria estranha, numa língua perdida. 

Keren não sabia o que estava acontecendo. Até que uma das mulheres, a primeira que aparecera e que parecia ser a líder, retirou o capuz. 

Ela era linda. Branca, muito branca. Seus olhos eram de um azul límpido e claro. Mas seus cabelos eram negros como petróleo. Esguia e alta, ela tinha um olhar sério, mas seus movimentos da dança pareciam tentar seduzir todos ali. Olhou em volta e viu homens e mulheres babando por ela. Até mesmo Keren estava excitada. Devia ter drogas naquele incenso. 

Sua voz era doce e musical, hipnotizante. Então, ela falou: “Vida longa ao mestre.” E todos repetiram: “Vida longa ao mestre.”

Bateram palmas, e olharam para as escadas. E o aniversariante começou a descê-las. O silêncio era palpável. As mulheres pararam de cantar, mas mantinham seus rostos cobertos, com exceção da bela “mestre de cerimônias”. O rapaz descia as escadas devagar e saiu das sombras. 

Keren tomou um choque. 

“Uau, ele é quente” Keren sussurrou para Maureen, que fez sinal para que ela permanecesse em silêncio. O tal rapaz que estava completando vinte anos tinha olhos azuis, límpidos como os da mulher que o anunciara. A pele era branca, sem nenhuma mancha, e seus cabelos eram dourados, tão claros e finos que pareciam brancos. Era alto, magro, mas não parecia fraco. Descia as escadas com altivez, como um rei. 

Talvez ele fosse algo assim, pois todos disseram juntos “vida longa ao mestre”, e quando ele chegou a três degraus do chão, e, parou, todos se curvaram diante dele. Keren continuou de pé. 

“O que está fazendo?” Maureen tentou puxá-la do chão. “Curve-se!” 

Keren chamou a atenção do rapaz, que foi em direção a ela. Todos os presentes olharam para Keren, e se admiraram com ela por estar ainda de pé. A mulher branca olhou para ela, reprovando-a. 

“Desculpe, mas não vou me curvar.” Keren disse baixinho, quase sem voz. Sentiu ficar vermelha. 

“Não precisa se desculpar” disse o rapaz. “Você é novata?” 

Maureen ficou de pé ao seu lado. “Ela veio a meu convite. Achei que seria bom trazê-la para conhecê-lo.” Maureen estava radiante por poder falar com ele. E ainda mais por estar tão perto. Podia tocá-lo se quisesse. Mas não se atreveu. 

Ele não deu atenção a ela, e pareceu nem mesmo ouvi-la. Seus olhos estavam focados em Keren. Ele parecia perscrutá-la, mas Keren teve a sensação de que ele a reconhecia. 

“Desculpe-nos. Não queríamos assustá-la. É apenas uma reunião entre amigos, para comemorarem meu aniversário esta noite. Permita-me.” Ele tomou uma das mãos de Keren e a beijou. Ela sentiu um calafrio. Olhou para os olhos azuis dele, e os achou suaves e doces. “Meu nome é Junius. Junius de Margeau. E estes são meus amigos.” 

“Meu nome é Keren.” 

“Seja bem-vinda, Keren.”

E então, como num passe de mágica, tudo voltou a como estava no início. A música voltou a tocar, todos começaram a dançar. As mulheres de preto se retiraram suavemente. O cheiro de incenso estava mais forte. Maureen saiu para dançar com outro garoto. Mas tudo isso Keren só percebeu por sua visão periférica. Seus olhos estavam fixos nos olhos de Junius. 

Os dois estavam parados, um olhando para o outro, no meio da sala, enquanto a festa rolava à volta deles. Ela só via borrões, com sua visão focada nele. Ninguém mais parecia notá-los ou se importar. 

“Venha” ele disse, e ela o seguiu para fora da mansão. E nem percebeu que passava por cima de corpos frenéticos, numa dança louca e epilética de orgias sexuais.



***


CAPÍTULO DOIS - COISAS ESTRANHAS


Keren abriu os olhos e sentiu uma coisa estranha, como se tivesse acabado de despertar de um breve cochilo. Ficou um pouco tonta e se apoiou na parede. Ela estava de pé, diante da porta de seu apartamento. Olhou em volta; nada. Não havia ninguém. Olhou no relógio, eram quase cinco da manhã de sábado. E havia dormido de pé na frente da sua casa. Pelo menos, era o que parecia. 

O mais intrigante era que não se lembrava de ter saído da casa de Junius de Margeau. Keren só se lembrava de ir com ele ao jardim, e, ao olhar para ele, ter a sensação de se perder em seus olhos. Aquilo era muito estranho. 

Definitivamente, algo acontecera ali naquela casa, e ela não sabia o que era, e pior, voltou para casa como? Alguém a trouxera? E a deixara na porta de casa, dormindo em pé? Não, isso não era possível. Mas toda aquela confusão na casa de Junius de Margeau era muito estranha. 

Primeiro, todos estavam dançando loucamente, um forte cheiro de incenso no ar, que ela achava que continha drogas. Depois, a chegada do próprio Junius naquele ar de mistério. Eles se curvaram diante dele. 

Aquilo era uma seita. Uma seita muito da estranha. 

Um sabor pairava sua língua. Sabor de tranquilidade. Estava tudo bem, tudo bem. Nada de mal havia acontecido. Somente o que todos queriam. 

“Mas com certeza deve ser uma seita”, falou Keren alto, como se quisesse desafiar sua própria mente. Deveria saber que, depois de tantos problemas, não se deve fazer um desafio desses. Se perde. 

E Keren estava no chão, desmaiada. 

Keren passou a semana inteira tentando se lembrar o que tinha acontecido na mansão de Junius, mas não conseguiu. Quando acordara do desmaio, no hospital ninguém sabia dizer o que tinha acontecido, só que a encontraram na porta do seu apartamento. Fizeram ressonância, mas não acharam nada. Ela parecia perfeita.

Não tivera outros problemas depois disso, apenas não se lembrava de nada, como saíra da festa, como chegara em casa. Então resolveu não esquentar com isso, mas também não iria para festas como aquelas, nem convidadas por Maureen. 

“Ela é muito louca”. 

Voltou à escola, normalmente. Algumas das pessoas que estavam na festa também frequentavam a New Order. E todas elas agiam como se nada tivesse acontecido. Na verdade, agiam como se o acontecido fosse algo normal, corriqueiro. Até mesmo Maureen, que não havia notado sua ausência na festa. Keren ficou receosa de perguntar sobre isso. De qualquer modo, Maureen se aproximou dela sem tocar no assunto e conversavam sobre coisas banais. 

Algumas semanas se passaram, até que Maureen a convidou para outra coisa. E lhe pareceu muito estranho o convite. 

“Um retiro?” perguntou Keren, intrigada. 

“Sim. Vai ser legal, por favor, vamos! Não quero ir sozinha. Quero ir com você.” 

“Mas por que um retiro? O que tem lá?” 

“É um lugar muito legal, muito verde, tem várias atividades interessantes, só vão jovens. Tem muitos gatinhos lá...” 

“Olha, Maureen, gosto de você, mas não tô a fim daqueles tipos que apareceram na última festa.” 

“Relaxa, Keren. Não é nada disso. Vai ser uma coisa legal, mas vão ter adultos responsáveis lá. É da minha igreja, vai por mim.” 

“Igreja? Você é de alguma igreja?” Keren não queria rir, mas achou que isso ia ferir os sentimentos dela. 

“Sim. É uma igreja diferente, super moderna, antenada com as coisas. Você vai gostar. Os líderes religiosos estarão lá, vai ser uma oportunidade única. Vamos, por favor?” 

Pensou um pouco. Se ia ter líderes, provavelmente adultos, bem, não ia ser tão mal. “Ok. Mas não vou ficar a semana inteira.” 

Mas Maureen nem estava ouvindo mais. Ela pulava histericamente. Keren revirou os olhos e foi pra casa. 

Realmente era um lugar lindo, tanto que surpreendeu Keren. Uma bela fazenda, e na porteira tinha uma grande placa de madeira, dizia “Vale da Alvorada”. Tinha vários alojamentos com vista para o lago, montanhas ao fundo, um ambiente bem agradável. Piscina, refeitório e, no fim de uma área gramada e com um jardim incrível, uma construção de pedras escuras que parecia uma igreja. 

“Bem, não seria tão ruim” pensou ela. Fariam caminhadas, trilhas, e seria tranquilo. 

Então ela o viu, caminhando entre os jovens, mas com um passo altivo que o destacava dos demais. Junius. 

“Olá, pequena Keren. Bonita como sempre.” Tomou sua mão e a beijou. Um garoto tão jovem e com maneiras tão cavalheirescas. Parecia um velho falando com uma garotinha, mas a diferença de idade entre eles era de quatro anos apenas. “Como está esta manhã?” 

“Estou bem, Junius, estou bem.” Momentaneamente, Keren ficou sem saber como chamá-lo, se pelo nome, se com algum título, alteza talvez... e pensou se estava louca. 

Ele simplesmente sorriu e ofereceu seu braço. “Posso te mostrar o lugar?” 

Keren ficou apreensiva. Da última vez que saíra com ele da presença de outras pessoas, apagara. Mas segurou seu braço e saíram pela paisagem magnífica. Ele a levou entre os bancos do jardim e foram direto para a capela. Lá, ele a deixou à porta e, sem dizer nenhuma palavra, saiu. 

Keren entrou, a curiosidade vencendo a chateação por ele tê-la deixado sozinha. O recinto estava escuro, apenas algumas velas crepitavam sombras na parede. Não havia bancos, como em uma igreja ou sinagoga. Apenas o salão redondo, com paredes de pedras. E no centro da sala, um semicírculo formado por mulheres de capuz, as mesmas que Keren havia visto na festa de aniversário. Sem levantar o capuz, uma delas ergueu sua voz: 

“Keren, sente-se.” 

Assustada, Keren caminhou para a mulher, que era a primeira da fila. 

“Quem são vocês?” 

“Você é uma mulher inteligente, Keren.” 

“Obrigada.” Ela tentou ver seu rosto, mas não conseguiu. 

“E uma moça muito bonita. Nos sentiríamos honrados se estivesse na cerimônia desta noite.” 

“Cerimônia? Que tipo de cerimônia?” 

Ela não respondeu, e as chamas da vela à sua frente começaram a crepitar. Elas não falaram mais nada, mas rezavam, uma reza monocórdia, todas rezando com uma voz de tédio, e não dava para entender o que elas diziam. Keren não sabia se ficava ou se retirava. Parecia que todos ali gostavam de dar uma conversa por encerrada sem aviso prévio. Depois de cerca de dez minutos em silêncio, Keren resolveu sair da capela. 

Junius a estava aguardando do lado de fora. 

“Venha, vou lhe mostrar o que usará esta noite, na cerimônia.” 

“Mas... o q...” 

“Não se preocupe, será lindo e maravilhoso.” 

Olhou para a noite escura. O que eles estavam fazendo com ela de novo? Junius caminhou até o alojamento das garotas onde Keren estava hospedada, sempre a conduzindo pelo braço, muito cavalheiro. À porta, Maureen estava esperando, junto com outra moça. 

“Esta é Sharabi” Junius a apresentou. “Ela cuidará da aparência correta que você deve ter.” 

Sharabi sorriu com seus belos olhos azuis. Bem, ela era o tipo adulto por lá, claramente mais velha que Junius, mas prestando respeito a ele, o que era muito estranho. Alta, magra, cabelos escuros, mas com alguns fios brancos. Devia ter seus quarenta e cinco anos, ou mais, mas parecia totalmente em forma e atlética. Ela fez sinal para que a acompanhasse. 

“Esperem aí...” Keren falou, e Junius a olhou com ar divertido. “Por que eu tenho que me vestir adequadamente para uma coisa que nem sei o que é? Que tipo de cerimônia? E por que tanto mistério?” 

Junius sorriu. 

“Sharabi lhe dirá o que precisa saber.” 

E Keren entendeu que a mulher só diria o que eles achavam que ela merecia saber, nenhuma palavra a mais. Teve a sensação de que isso não era muito. 

Keren a seguiu para dentro do alojamento, sendo seguida por Maureen. Junius não entrou e seguiu seu caminho. A bela mulher caminhava com altivez, seu corpo era esguio e belo, e parecia ser capaz de qualquer coisa, qualquer atividade física. Caminharam pelos corredores, passaram pela porta do quarto, até chegarem a uma alcova. 

Era enorme e tremendamente luxuosa. Algumas garotas já estavam lá, vestidas em lindos vestidos pretos. Havia araras com belos vestidos, todos pretos, e um grande espelho, com balcões com linhas de maquiagem que fariam inveja a qualquer superstar. 

“Escolham uma veste ritual” Sharabi falou, apontando para as araras com os luxuosos vestidos. “Assim que estiverem prontas, eu as introduzirei aos costumes dos rituais e cerimônias que usaremos na cerimônia desta noite.” E saiu. 

Simples assim. Então era isso o que merecia saber. Bem, Keren e Maureen foram direto para as araras escolher um vestido para usar. Cada um mais magnífico que outro. Pena que só tinha na cor preta. E todos eles acompanhavam uma corrente prateada, com um pingente que descansava entre os seios. Era um símbolo, um círculo e outro círculo no centro. 

“Este é o olho de Deus” disse Sharabi, assim que Keren estava pronta. “Uma das representações do nosso Senhor.” Ela explicou. “Existem muitas representações como estas em várias religiões. Ele é o Messias, tão esperado pelos judeus, o Cristo para os cristãos, o Buda para os budistas, Krishna para os hinduístas, e tantos e tantos outros. Tem sua representação de várias formas, como o Olho Que Tudo Vê, na maçonaria, ou o Olho de Rá, para os egípcios antigos. Desde milhares de anos, o homem busca a Deus. E esta é a sua representação universal.” 

Keren tocou o pingente. Achou-o lindo. A história toda era linda. Mas algo estava estranho. Uma intuição, talvez. 

Foram para a capela, onde ela tinha visto a Irmandade anteriormente. Elas ainda estavam lá, na mesma posição. Mas agora, a capela estava repleta de jovens e adultos, todos no mais completo e absoluto silêncio, em um grande circulo, todos sentados no chão. Keren e Maureen ocuparam lugares no círculo. No centro, o semicírculo da Irmandade. 

Quem quebrou o silêncio foi uma mulher, que estava no centro das mulheres da Irmandade. Ela ficou de pé e começou a cantar um mantra em outra língua. As outras mulheres juntaram aos seus pés representações dos quatro elementos: terra, água, fogo e ar. 

A mulher tirou o capuz, e Keren a reconheceu da festa de aniversário de Junius. Cabelos negros, olhos azuis, pele branca. 

“Salve Meriadne, nossa Alta Sacerdotisa.” 

Todos repetiam enquanto a tal Meriadne jogava pós sobre os materiais dispostos em um quadrado. 

Uma onda de choque atingiu Keren.

Heresia. 

Ela se sentiu um peixe fora d’água; mais que isso, sentiu-se uma traidora de sua religião. Ela estava ali, uma judia num ritual pagão. E sentiu que precisava sair dali, que alguma coisa estava muito errada e não sabia dizer o que era. Sentiu que o ar se tornou irrespirável e sufocante, ao menos para ela, com muitos incensos acesos. 

Mas sair assim poderia significar desrespeito, e, como ela era a única incomodada, imaginou se poderia ser linchada. E pensou se estava indo longe demais com a paranoia. Eram pessoas inofensivas numa religião diferente. “Eu apenas tenho que respeitar. Afinal, estamos nos Estados Unidos.” pensou Keren. 

Mas assim que a cerimônia terminou, foi direto para o quarto. Ligou a pequena TV que todos os quartos disponibilizavam e tratou de procurar algo para comer. Tinha ido sem comer para a capela, achando que eles serviriam algum lanche. E encontrou na bagagem um pacote de Doritos. 

“Brasil se torna autossuficiente em petróleo e entra na briga pelo comércio entre Estados Unidos e países asiáticos que dominam esta área.” 

Mas Keren nem prestou atenção à noticia. Estava agora mais tranquila, comendo Doritos. Nem estava ligando para as notícias da TV, só esperando começar seu seriado favorito, antes de pegar no sono. “Para isso servem os governantes. Para resolver essas coisinhas que aparecem.” 

Keren caiu na real. O que ela estava fazendo ali? Ela era uma judia. “Tá, uma judia meio desgarrada, mas uma judia”. Ela tinha suas convicções fortes, dentro dela, em algum lugar. Simplesmente não conseguia aturar toda aquela coisa de irmandade e mestre e ritual de não sei quê lá. 

No dia seguinte, acordou cedo, e, com as malas prontas, comunicou a Maureen que voltaria à cidade. 

“Para a minha amada poluição”. 

Maureen ficou triste, mas não disse nada. Atitude que Keren estranhou. 

“Ela deveria estar tentando me convencer, mas não fez nada. Apenas me acompanhou até o táxi” pensou ela. 

Junius estava no estacionamento do Vale da Alvorada, esperando. Ele falara algo com o taxista, e Keren logo ficou meio cismada. Então, Junius se virou para ela. 

“É uma pena que não queira ficar, Keren, mas seria muito bom se você se juntasse a nós.” 

“Entenda, Junius, ou se é que tenho que chamá-lo de alguma outra forma, algum título. Ninguém me informou sobre isso. Mas eu tenho minha própria religião, e isso aqui tá muito fora da minha realidade.” 

Ele sorriu, condescendente, e pareceu um homem de quarenta anos, e não um garoto que acabou de completar vinte. 

“Não se preocupe, Keren. Eu a compreendo completamente.” E abriu a porta do carro para ela, pela qual passou e se sentou. “Esta não é uma religião única, mas uma religião universal. Qualquer um pode adorar seu próprio deus estando conosco.” Ele estendeu a mão fechada para ela, ao que ela respondeu abrindo a sua. Da mão de Junius, caiu em sua palma a corrente com o pingente do ‘olho de Deus’. “Queremos que fique com isto. Isto representa o Deus vivo. Representa o seu Deus. Não queremos que se sinta constrangida. Continue adorando o seu próprio Deus. Ele é o mesmo, aqui ou em qualquer outro lugar.” 

Dizendo isto, ele saiu, e ela se sentiu a pior das pessoas. “Como uma pessoa como eu pode ser tão má com uma pessoa como ele?” Então, despediu-se de uma triste Maureen, e foi direto para seu apartamento, sentindo-se culpada. 

Tão logo chegou em casa, o sentimento de culpa se dissipou. Não somente isto. Mas Keren sentiu como se tentáculos se desligassem do seu corpo, e se sentiu, literalmente, livre. Era como se uma força sobrenatural a mantivesse ligada ao Vale da Alvorada e a todas as pessoas, àquela atmosfera, e, principalmente, a Junius. 

Ligou a TV enquanto tomava um banho quente. 

“A Amazônia Legal diminui consideravelmente de tamanho. As autoridades brasileiras informam à imprensa que tudo é em favor do meio ambiente. ‘Precisamos produzir combustíveis ecológicos, através do álcool; para isso, precisamos de mais campos de plantio. É uma medida que, de qualquer forma, compensará a perda de vários hectares de floresta nativa sem nenhum valor real à sociedade. A Amazônia Legal perde alguns hectares, mas o ambiente ganha menos gases poluentes. E a porcentagem a ser perdida não é tão significativa.’ disse o porta-voz do Palácio do Planalto.”

“Engraçado”, pensou Keren. “Sempre estudamos alguma coisa sobre isso, mas nada tão chato. O que um punhado de florestas poderia fazer, se naquele mesmo local fosse produzido combustíveis menos tóxicos para o planeta? É simplesmente tornar o lugar mais útil para o próprio planeta.” Keren se achava leiga nisso, e os governantes que se resolvessem. Porque ela não estava nenhum pouco interessada em política. Pra ela, tudo aquilo era problema para os grandes resolverem, e que jamais a atingiriam.

Como ela estava enganada.

***

Voltar à rotina podia ser um bálsamo. Keren foi feliz para a escola. Se sentia tranquila em poder voltar aos estudos. Afinal, fora pra isso que ela estava em São Francisco, rompendo as tradições de sua família, de ficar em casa até o casamento, não foi? 

Mas a escola não era exatamente um lugar tranquilo. Muitos dos garotos e garotas que estavam no retiro da igreja de Maureen também estudavam na escola. Keren pensou se estava num filme paranoico. Será que resolvera estudar numa escola onde todos eram recrutados para uma seita? 

Mas, o que Keren tinha a reclamar da religião que presenciara no retiro? Tudo fora pacífico, tranquilo, e todos seguiam a rituais de sua própria religião, que, ao que lhe constava, eram milenares. Ela não podia falar nada, já que fora criada em meio a rituais também milenares. Ela era judia, afinal. Embora houvesse fragmentos de sua infância de que não se lembrasse, tudo o que se recordava era que sempre fora criada nas tradições mais antigas do judaísmo. 

Uma linda garota morena, alta, olhos verdes e cabelos compridos se sentou perto dela em sua sala. Ao que parecia, muitos queriam fazer amizade. 

“Oi, meu nome é Aisha” ela se apresentou. 

Keren a olhou. E se todos estivessem numa conspiração? Foi tão fácil a matrícula dela naquela escola de renome, ainda mais, fora da época. Resolveu parar de bancar a maluca e relaxar. 

“O meu é Keren. Prazer em conhecer.” 

Aisha deu um sorriso de dentes perfeitos. 

“Estou aqui há muito tempo, você é nova, não é?” 

“Sim. Acabei de chegar de Israel.” 

“Uau, tão longe!” 

Keren sorriu, descontraindo alguns músculos que nem sabia que estavam tensos. 

“É, longe mesmo.” 

Aisha ergueu os braços para prender os longos cabelos, e Keren percebeu que seus músculos eram bem trabalhados.

“Desculpe perguntar, mas... você malha?” 

Ela olhou para seus próprios braços. 

“Ah... isso...” e sorriu. “Na verdade, não exatamente. Eu sou lutadora.” 

Os olhos de Keren brilharam. “Lutadora? Que legal!” 

Aisha sorriu novamente, mas desta vez como se sorrisse a uma jovem garotinha. “Sim. Faço vários tipos de artes marciais desde os sete anos.” 

“Uau!” 

Então o professor cortou a conversa para iniciar a aula. E Keren ficou imaginando como seria legal ser uma lutadora. A única coisa que ela podia imaginar era que, além de ser linda e com o corpo perfeito, e chamar a atenção dos garotos por causa disso, ainda seria capaz de derrubar um garoto valentão quando viesse mexer com ela. E isso era, definitivamente, perfeito. 

Após várias aulas, em que conheceu diversas pessoas e professores, separada de Maureen (que a olhava à distância, mas não se aproximava), foi para o refeitório. Hora do almoço. 

Depois de fazer sua bandeja, viu Aisha acenando para ela de uma mesa. Ela a chamava para se sentar lá. À medida que foi se aproximando, percebeu que havia mais pessoas à mesa. E seus olhos foram direto para o lindo garoto que estava sentado à frente de Aisha. E justamente o lugar a seu lado estava desocupado. Sentouse, sentindo corar. Aisha começou as apresentações. 

“Gente, esta é Keren. Ela é nova na escola e veio de Israel.” 

Imediatamente se tornou o centro das atenções na mesa. Todos queriam saber alguma coisa sobre ela. E começaram a se apresentar. 

“Oi, eu sou Sirius” disse uma loirinha baixinha e muito bonita. Ela sorria, simpaticamente. 

“Eu sou Alphas” disse um garoto branco, alto e forte, sentado ao lado de Sirius. Ele era tão grande que Sirius parecia um gatinho perto dele. 

“Eu sou Amaryllis” disse outra garota, ao lado de Alphas. Ela tinha a pele negra, e seus cabelos crespos estavam presos no alto da cabeça. Era bastante alta, quase tão alta quanto Alphas, mas de corpo longilíneo. Era linda, do tipo que passaria em qualquer teste de beleza no mundo. 

“E eu sou Orion”. A voz dele penetrava os sentidos de Keren. Ele estava sentado ao seu lado, e uma eletricidade parecia vir dele para ela. Um garoto alto, moreno claro, cabelos pretos, olhos castanhos. Seu sorriso de dentes perfeitos parecia hipnótico. 

Como que acordando de um devaneio, Keren imaginou o que todos aqueles garotos tinham em comum. “Além dos nomes estranhos”, pensou ela, “eles são incrivelmente atléticos, apesar das diferenças de altura e de porte físico”. 

Como que adivinhando seus pensamentos, Aisha retomou à conversa: “Somos todos do Grupo de Artes Marciais de New Order.” 

Ah, isso respondia suas questões internas. 

“E somos parte da Irmandade da Luz e da Paz.” 

“Irmandade da Luz e da Paz?” Keren perguntou. 

“Sim” respondeu Sirius com sua voz de anjo. “Você esteve conosco no Vale da Alvorada. Vi você por lá. Mas foi embora cedo.” 

“Ah,” pensou Keren. Vale da Alvorada. “Parece que todos os alunos desta escola fazem parte desta religião.” Keren deixou seus pensamentos escaparem em voz alta, e imediatamente se puniu mentalmente por isso. 

Alphas riu. Mas quem explicou foi Orion. Foi difícil para Keren se concentrar no que ele dizia. 

“Basicamente esta escola é mantida pela Irmandade.” 

Ops... como ela não pensara nisso antes? Então começou a observar que todos na mesa usavam o “olho de Deus” em alguma parte, seja em uma corrente de prata, seja em brincos, ou num pequenino pingente numa pulseira, ou num anel, até mesmo em discretos broches. 

“Pelo visto, eu sou a minoria na escola...” Falou Keren, um pouco desanimada. 

Aisha sorriu simpaticamente. 

“O fato de você não fazer parte da Irmandade não quer dizer que você realmente não faça parte dela.” 

“Acho que fiquei confusa” Keren falou. 

“O que Aisha quer dizer” disse Amaryllis, falando agora na conversa pela primeira vez, “é que, mesmo que não participemos de todos os rituais e cerimônias próprios da Irmandade, ainda assim somos parte da Irmandade. Porque somos todos irmãos, e temos os mesmos propósitos na vida. A paz, o amor, e a união de todos.” 

“Pensando por este lado...” 

“E além do mais” completou Sirius, “todos temos fé, até o mais ateu de todos. A própria ciência vai chegar a um lugar onde ela não pode mais ultrapassar. E aí, entra a fé. Uma coisa não anula a outra, apenas complementa. Fé e ciência. Esta é a nossa religião.” 

“Uma religião que não exclui as outras” disse Orion. “Você pode ser judia ou muçulmana, mas Javé e Alá serão o mesmo Deus para nós. E é isto o que o símbolo da Irmandade representa. O olho de Deus. O nosso mentor, o Arquiteto do Universo, o Criador, o Pai amoroso, o Design Inteligente da vida.” 

Keren agora estava se sentindo uma tola por ter julgado aquelas pessoas de forma tão preconceituosa. Ela teve medo de ser excluída assim que chegou a San Francisco por ser judia, mas o que de diferente disso ela estava fazendo? O que eles faziam em seus rituais eram apenas rituais para celebrar e adorar um deus que era o mesmo deus que ela adorava, com seus próprios rituais. Pra quê brigar se todos poderiam ser amigos e se respeitarem? Parecia bom para ela. 

Ao terminar o almoço, Keren descobriu que tinha uma aula com Orion, o que a deixou bastante eufórica. Ele a acompanhou para a saída do refeitório. No trajeto, ela viu Maureen, que parecia muito contente. “Ao menos” pensou ela, “ela não está mais chateada, ao que parece.” 

E Orion a acompanhou até a sala de aula. Como se não tivesse fim suas dúvidas, Keren fazia muitas perguntas. A primeira delas foi sobre seus nomes. 

“Parece que todos têm um nome estranho.” Ele sorriu, e ela ficou encantada. 

“Sim. Não são os nomes que nossos pais escolheram para nós. São nomes cósmicos. Nomes que interagem com o cosmos e nos fazem sentir muito melhor. Digamos que Orion seja o nome de minha alma. O nome carnal que minha mãe deu não tem mais a mínima importância. A minha alma tem um nome. Um nome que carrego e carregarei em todas as vidas que viver.” 

Bem, reencarnação não era o tipo de teoria ou doutrina em que Keren acreditava, mas não disse nada. Ela só queria que Orion continuasse conversando com ela. 

“Mas nem todos têm esse nome ainda. Ele nos é dado quando atingimos um estado que chamamos estado esotérico de comunhão. Mas não se assuste” ele riu, vendo a expressão de Keren ante à palavra ‘esotérico’. “Esotérico não significa nada mais que ‘oculto’, isto é, conhecimento em camadas. Cada vez que você estiver apta a adquirir um novo conhecimento, ele virá até você. Se não estiver preparada ainda, este conhecimento lhe será oculto, até que esteja pronta. Só isso.”

“Ah, entendi.” 

E os dois seguiram conversando até entrar no prédio dois da New Order High School. Do pátio, ao observar os dois sem ser visto, um sorriso comedido se desenhava no rosto de Junius. 

Keren recebeu um novo horário de aulas, onde havia sido requisitada a participar das aulas de artes marciais como eletiva. Isso a deixou radiante, pois veria por mais tempo seus novos amigos, principalmente Orion. Keren morria de medo de ser requisitada para alguma dessas aulas chatas, como meditação transcendental, ioga, religiões antigas e tantas e tantas outras. Ao menos, lutar era legal. Também tinha a opção das danças orientais, mas estar com Orion era a melhor coisa que poderia ter acontecido. 

Com o tempo, Aisha se tornou sua melhor amiga e também sua parceira nas lutas, ajudando-a com os golpes e a filosofia das artes marciais. Coisas como defesa, controle da mente e do corpo etc. E cada vez mais, Maureen foi se tornando uma amiga do passado. 

Foi pensando nisso que, naquela tarde de sábado, Keren resolveu ligar para ela. 

“Alô?” 

“Maureen? Oi... Sou eu, Keren.” 

“Ah... Oi, Keren? Como você está?” 

“Bem... Não nos falamos há tanto tempo, não é verdade?” 

“É, você tem passado bastante tempo com os novos amigos.” 

“Eu queria voltar a passar tempo com você.” 

Maureen riu. “Querida, não se preocupe, eu também tenho meus amigos. Além do mais, é comum em New Order mudar a perspectiva de amizades de acordo com as atividades em comum. Por exemplo, agora estou me dedicando à Teologia e História das Religiões. É bem complexo, mas bem legal, de certa forma.” 

“Mas nossa amizade poderia se fortalecer; tivemos pouco tempo juntas... nós poderíamos sair de vez em quando, só pra comer alguma coisa, alguma festa, sei lá...” 

“Keren, quando você quiser sair, convide seus amigos pra isso. Eu saio com os meus. É assim que tem que ser agora.” 

“Mas Maureen, não precisa ser...”

“Precisa. Temos novas prioridades agora. Você precisa se preparar para aquilo que foi designada. Em dois anos você estará pronta.” 

“Pronta? Pronta para quê?” 

“Tenho que ir agora.” Desligou. 

Keren ficou uns bons segundos olhando para o telefone mudo. O que Maureen queria dizer com ‘pronta’? E por quê tanta afobação? E essa história de que não poderiam mais ser amigas por causa das prioridades? Desde quando isso impede alguém de ser amigo um do outro? Será que Maureen estava louca? Será que Keren entendeu direito? 

O alarme interno de paranoias  de Keren soou. Alguma coisa estava errada. Então, o telefone tocou. 

“Alô.” 

“Keren?” 

O coração de Keren deu um salto. Era Orion. 

“Ah... Oi, Orion, sou eu.” 

“Estava pensando se você não quer ir ao Anthurius.” 

Anthurius era um restaurante badalado da cidade. Mas o mais impressionante: era um restaurante vegetariano. Nos últimos anos, a população estadunidense se tornou cada vez mais obesa e adepta das fast-foods. Então muitas pessoas passaram a morrer por diversos problemas de saúde. O que mobilizou a população, alarmada com o índice de mortalidade e doenças devidas à má alimentação; assim, vários restaurantes vegetarianos começaram a aparecer, fazendo com que inúmeras pessoas mudassem seus estilos de vida. As lanchonetes, que antes eram impérios do fast food, tornaram-se obsoletas, e poucas delas ainda sobreviviam nos subúrbios das cidades, quase nos guetos, com comida de baixíssima qualidade. 

Anthurius era o melhor desses restaurantes, pois seu público era de maioria jovem, por causa do cardápio inovador, que substituiu as fast-foods, como hamburguer de soja, sucos combinados diferentes e batatas grelhadas, além de muito, muito vegetal das mais variadas formas. 

Keren achou o convite maravilhoso e logo esqueceu Maureen. “Claro! Mas, vai mais alguém?” 

Orion sorriu. “Não. Vamos só nós dois.” 

“Perfeito.”

Um sorriso estampou o rosto de Keren. 

“Às oito, então? Te pego aí?” 

“Sim.” 

“Então, até lá.” 

“Até.” 

Radiante, Keren correu para se arrumar. Na sala, a TV estava ligada. 

“As Forças Armadas Americanas atacam o Oriente Médio. O chefe de gabinete da Casa Branca informa que o embargo político e comercial dos países no entorno do Irã já não era mais uma opção. A violência na região alcançou níveis inaceitáveis. A Rússia e o Brasil cogitam enviar suas tropas e atacar. Segundo o economista e cientista político Jeffrey Richards, tudo não passa de desculpas para iniciar uma guerra pelo petróleo. A Casa Branca nega a afirmação e diz que as tropas são tropas pacificadoras.” 

O restaurante Anthurius era perfeito. Havia uma cortina de plantas num dos reservados. Era decorada com lindas lanternas e os móveis eram rústicos, mas imitavam bastante o formato dos móveis das antigas lanchonetes. 

Keren pediu um prato de grãos diversos germinados com uma salada temperada com especiarias. Orion pediu a mesma salada, com pão integral de mel e hamburguer de soja. Os dois pediram sucos de frutas. Este tipo de alimentação poderia parecer bizarra para os bárbaros que viviam vinte anos antes, mas para Keren era natural. Ela já crescera neste ambiente. Nunca provara carne na vida. Era um estilo de vida que se espalhara nas maiores capitais do mundo. 

Keren vestia um vestido escuro com seu cardigã vermelho, o seu preferido, meias e botas cano médio. Fazia frio nas noites de São Francisco, o inverno se aproximava. Ela observou Orion. Alto e atlético, o belo rapaz usava uma camisa verde e um casaco de couro marrom, calças escuras. 

“Você está linda.” 

Keren corou. “Obrigada.” 

“Você está bem? Quando liguei para você eu senti sua voz um pouco alterada, talvez até triste...” 

Keren baixou os olhos. “É verdade. Quando você me ligou eu tinha acabado de falar com uma amiga ao telefone. Quer dizer, nem sei mais se ainda somos amigas...” 

“O que quer dizer? Vocês brigaram?” 

“Não exatamente.” Keren franziu. “Não sei... É como se ela quisesse ser minha amiga, mas não pudesse, simplesmente porque não frequentamos as mesmas aulas.” 

“Ela falou alguma coisa sobre isso?” 

“Assim, com todas as letras, não, mas disse que esse tipo de coisa acontece em New Order e que tínhamos que nos adaptar às novas prioridades.” 

“Ela falou isso? Prioridades?” 

“Sim. E também falou que eu tinha que me concentrar naquilo para o qual eu fui designada, e que em dois anos eu estaria pronta. Confesso que fiquei confusa nesta parte e não entendi nada.” 

Orion sorriu. 

“Ah, Keren, não se preocupe com isso. Deixe para lá. Ela deve estar com ciúmes porque você está com novos amigos e não tem mais sua atenção completa. Deve ser isso.” Ele deu de ombros. “Pelo que estou vendo, foi até melhor...” 

Keren pensou um instante. 

“É, deve ter sido mesmo. Estar com vocês tem sido muito bom... Acho que ela não gostou de dividir a atenção.” 

“Isso mesmo. Deixe ela para lá. Ela já deve ter outros amigos também.” 

“É... mas eu vou tentar uma última vez. Se é só ciúmes, então vou dar toda atenção para ela. Vou chamá-la para passar o sábado comigo, assistir filmes antigos e comer croquinhos de cenoura. Um programa de garotas.” 

Orion riu. 

“É, talvez isso resolva o problema.” 

Keren ficou aliviada. Tinha certeza que Maureen ficaria às boas com ela de novo. Até aceitaria visitar o retiro novamente e todas aquelas coisas que eles fazem. Sentia falta de Maureen. Ela era meio espevitada, sempre dava saltinhos de alegria quando a convencia a fazer alguma coisa. Sentiu por não terem tido tempo para iniciar uma amizade, e por sua própria culpa. Sabia que Maureen seria uma boa amiga. 

“Com licença, eu vou ao banheiro e já volto.” 

“Ok.” 

Orion se levantou e foi até um reservado. Abriu uma pequena carteira que ficava em seu bolso. Lá estava seu paperphone. Com um toque dos dedos, a tela mudou e apareceu um rosto. 

“A garota contou coisas. Falou em prioridades, em atividade designada, para a qual ela estaria pronta em dois anos.”

O rosto projetado em 3D na tela do paperphone se contorceu numa careta de desgosto. Depois falou com uma voz doce e tranquila. 

“Confio em você. Já sabe o que fazer.” 

“Pelo bem da causa.” 

“Sim, filho, pelo bem da causa, pela paz e pelo amor infinitos.” 

Orion juntou o dedo indicador com o polegar da mão direita, fazendo um círculo, e deixando os outros três dedos apontados para cima, e encostou a mão no peito. A imagem em 3D recebeu o sinal com um movimento leve de cabeça e depois sumiu. Orion fez outra ligação. Desta vez, sem imagens em 3D, e encostou o paperphone no ouvido. 

“X9 MP. Número 5.” 

E desligou. Voltou à mesa, onde uma impaciente Keren esperava. A comida já havia chegado. Orion pegou as mãos de Keren e as acariciou. 

“Demorei?” 

Keren olhou nos olhos de Orion e se sentiu muito bem. 

“De maneira alguma.” 

E começaram a comer tranquilamente. 

Não muito longe dali, Maureen chega em casa, toma um banho. Prepara seu ritual da noite, acende uma vela e canta uma canção milenar. Ao lado da vela, uma pedra representando a terra, um copo de água representando o elemento água, e uma folha seca, representando o vento. 

“Espíritos dos quatro elementos, elementais da natureza, preencham esta noite com a mais pura paz e conexão com todos os seres vivos, em harmonia.” 

Maureen estica as mãos para a vela, para sentir o calor do fogo. Cheira a folha para sentir seu aroma. Toca a pedra em sua testa para se energizar. E bebe a água. 

E passa mal. 

Em poucos segundos, cai no chão, sem vida.

***

O telefone só caía na caixa postal. Keren tentou fazer uma vídeo chamada, mas Maureen não aceitava a ligação, pois não estava lá para fazê-lo. Foi quando decidiu ir até sua casa. 

Keren se lembrou da história de Maureen. Ela era membro de uma das famílias mais bem sucedidas de Nova York. Viera estudar há um ano e meio na New Order, seus pais bancando tudo. Filha de magnatas do sistema financeiro da cidade, com direito a muitas ações na bolsa. Ela morava sozinha num dos apartamentos mais interessantes e charmosos de San Francisco. 

Keren chamou no porteiro eletrônico e ninguém respondeu. Novamente, a vídeo chamada não teve conexão. Um jardineiro estava por ali. 

“Oi, por favor, eu vim visitar Maureen, ela está?” 

“Não sei dizer, dona. Eu trabalho aqui apenas uma vez por semana. Acabei de chegar, não vi movimento não.” 

“Eu posso subir para bater na porta? Ela está atrasada com alguns trabalhos escolares...” 

“Claro.” O jardineiro permitiu a passagem dela. O porteiro deveria ter saído, pois o jardineiro estava só. 

Keren subiu ao quarto andar pelo elevador e chegou à porta de Maureen. Bateu, tocou a campainha, e nada. Não tinha como abrir, pois as portas são abertas apenas com as digitais. 

“E agora?” 

Uma senhora chegou perto. 

“Pois não? Está procurando alguém?” 

“Ah, desculpe, estou procurando minha amiga, Maureen. Ela mora aqui. Mas não responde à campainha.” 

A senhora se dirigiu à minúscula tela touch screen e digitou uma senha numérica. A porta se abriu. 

“Eu sou a arrumadeira, vim hoje para organizar o apartamento.” 

Keren entrou, seguida pela arrumadeira. A sala estava na mais perfeita ordem. O videophone no canto da sala, uma tela LCD de um metro e meio de largura por um metro de altura na parede do canto da sala mostrava suas chamadas não atendidas e pedidos de videochamadas. 

Foi até o quarto. Perfeitamente arrumado. Banheiro na mais perfeita ordem. O terraço, com várias plantas, uma pequena mesa de vidro e uma almofada, era um local aconchegante. Keren viu, em cima da mesinha de vidro, uma vela apagada num castiçal de porcelana branca, uma pedra branca, um copo de vidro vazio. Em baixo da pedra, uma folha seca.

“Um ritual aos quatro elementos.” disse Keren para si mesma. Estava sozinha, a arrumadeira estava arrumando outro cômodo da casa. Exceto por aquele ritual, não havia sinal da presença de Maureen no apartamento. 

“Você veio aqui esta semana?” perguntou Keren à arrumadeira, que estava nos fundos da pequena cozinha, pegando algum material de limpeza. A cozinha estava em perfeita ordem, toda a louça guardada, nada fora do lugar. 

“Não” disse a mulher. “Venho apenas uma vez por semana. A última vez que vim aqui, foi quinta-feira da semana passada.” 

“Hum, tudo bem. Então, vou indo. Vou deixar um recado para ela.” 

A mulher não respondeu, continuou concentrada em seu trabalho, e Keren saiu da cozinha. Na sala, ao lado da porta, pegou a caneta ótica e escreveu um breve recado para Maureen na pequena tela digital, presa à parede. 

“Maureen, estive aqui te procurando. Você não atende às minhas ligações, nem responde aos e-mails. Precisamos conversar. Keren.” 

Ao chegar à rua, Keren continuou refletindo sobre Maureen. Na sexta-feira havia visto Maureen na escola. Foi quando tinha conversado com ela por telefone, antes de sair com Orion. E não conseguira falar com ela desde então. A arrumadeira viera no dia anterior. 

Então, porque estava tudo tão malditamente em ordem? Até onde sabia, Maureen não era um poço de desorganização, mas também nem tão arrumada, para uma adolescente de dezessete anos. Não havia nada fora do lugar. Nem mesmo um prato, exceto o copo no local do último ritual. A cama estava perfeitamente arrumada. 

Onde estava Maureen há uma semana? 

Com um impulso, Keren voltou ao apartamento. A mulher abriu a porta, com um rosto nada satisfeito. Keren passou por ela e foi direto para o videophone. Digitou algumas vezes e apareceu a agenda. O telefone dos pais dela em Nova York. Numa chamada rápida, pediu videochamada. 

Mas ela não foi atendida. A mãe de Maureen atendeu à chamada sem vídeo. 

“Quem é?” A voz era desconfiada. 

“Sou Keren, amiga de Maureen.” 

“Por que está ligando da casa de minha filha?” A voz era muito hostil. 

“Eu vim procurar por ela, mas ela não está. Não tenho notícias dela há quase uma semana, e liguei para saber se sabem de alguma coisa.” 

“Ela veio passar o sábado conosco e resolveu ficar. Vamos transferi-la. E não vejo razão para você invadir uma propriedade.” 

“Ela foi para Nova York? E nem me avisou... Bem, não foi minha intenção invadir nada. A arrumadeira estava aqui e me deixou entrar. Me desculpe.” 

“Era só isso?” 

“Eu posso falar com ela?” 

“Ela não pode atender agora, está ocupada.” 

“Então dê-lhe um recado meu, diga para me telefonar. Gostaria muito de falar com ela.” 

“Está bem. Tenho que desligar agora.” 

E a chamada foi encerrada. E Keren foi embora. 

“Então ela está com os pais? Bem, menos mal. Pena que não nos acertamos. Por que ela foi tão depressa? Ela não parecia o tipo de garota que, depois de conseguir liberdade, volta para os pais.” 

Questões que passeavam na mente de Keren. Questões que pareciam bobas, mas que não tinham uma resposta satisfatória. 

“Devo estar imaginando coisas.” Keren falou alto para si mesma. E então, sentiu como se aquilo fosse a maior verdade. Seu cérebro acreditou, e Keren foi para casa.



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