Fevereiro - Capítulo Um



"Quando fevereiro chegar,
Saudade já não mata a gente.
A chama continua no ar
O fogo vai deixar semente.
A gente ri, a gente chora,
Ai ai ai, a gente chora
Fazendo a noite parecer um dia
Depois faz acordar cantando
Pra fazer e acontecer
Verdades e mentiras
Faz crer, faz desacreditar de tudo
E depois amor." (Geraldo Azevedo)

***

Recife, Sábado de Carnaval, às 10h.

O galo estava imponente no meio da ponte, e a cidade parecia ferver. Olhando do ponto onde estava, ela podia ver as pessoas que pulavam, em meio a todo aquele colorido, como se fossem uma única massa viva, que se derramava pelas ruas, escapando e escorrendo, pulsando e brilhando.

Aquele camarote a estava cansando. Há anos queria conhecer o carnaval do Recife, mas não estava com vontade aquele dia. Tudo o que era obrigatório perdia a beleza, disso ela sabia por experiência. Naquele fim de semana fora designada para estar na cidade do frevo, a conhecida Veneza Brasileira, mas mesmo planejando a viagem há tanto tempo, não sentiu-se feliz ao saber.

Ajustou sua máscara e saiu da sala em direção ao bar. O prédio estava lotado, e no caminho, passou por um casal que se esfregava contra a parede, duas moças compartilhando um cigarro e um homem que lhe dissera qualquer coisa sem importância.

O barulho ensurdecedor e o cheiro de cigarro a deixara com dor de cabeça, mas precisava manter o sorriso no rosto e o porte sensual. Seu caminhar parecia o de um felino, e embora isso surtisse efeito em todos os espécimes masculinos e alguns femininos no grande camarote, ainda assim não tinha a intenção de satisfazê-los. Pediu uma bebida, e pensou que estava cheia de tudo.

Um homem aproximou-se dela e lhe fez sinal. Um cliente.

Suspirou.

***

Ângela Carvalho, delegada da Polícia Civil, estava de plantão, e comandava aquele dia as Operações da polícia no centro da cidade. Estava em sua sala na Delegacia, no centro da cidade, quando recebeu um agente entrou às pressas.

"Acabou de acontecer!"



"O que acabou de acontecer?" Ela olhou para o monitor onde se transmitia imagens ao vivo de câmeras de segurança e viu uma comoção do povo perto de um dos prédios próximo à ponte Duarte Coelho, na Avenida Guararapes, onde se concentrava a multidão da maior troça de carnaval do mundo.

"Uma mulher, jovem, acabou de pular da sacada do camarote daquele prédio."

Imediatamente, Ângela começou a dar ordens pelo rádio e entrou em ação.

"Isolem a área agora. Quero agentes ali imediatamente, não quero saber de ninguém invadindo meu espaço! Movam suas bundas pra lá agora!"

Enquanto atravessava aos empurrões a multidão aglomerada no meio da rua, Ângela tentava ouvir o policial que a seguia, relatando o acontecido. Mas nada a preparou para o que viria a seguir.

A moça estava caída no chão, o pescoço e a perna esquerda virados de um modo estranho, e o sangue tingia suas roupas douradas e pretas. A máscara ainda estava no rosto, um pouco torta. A mão direita segurava algo fortemente.

"O que ela traz na mão?"

"Não mexemos nela, mas parece um pedaço de papel enrolado."

Ângela ajoelhou-se ao lado do corpo. Olhou para cima, para onde ela saltara. "Descubram de onde ela saltou, e isolem o camarote, mas tomem nota de todos os presentes. Quero identificações oficiais, telefones de contato, endereços, tudo. Não deixem ninguém sair. Mantenha-os numa das salas. Qualquer um é suspeito."

"Mas, delegada, muitos viram que ela pulou..."

"Até que a perícia decida que foi suicídio, não podemos deixar um possível assassino correr solto por aí. Esta cidade está um caos, e eu quero identificados todos os que estavam lá. Agora, agente!"

Ele correu. Ela voltou seu olhar para a moça no chão. Alguns oficiais da Polícia Militar também estavam ali e afastavam a multidão. Embora tudo aquilo acontecesse no caldeirão da folia, os trios elétricos não paravam a música, e a maioria dos foliões estavam alheios ao que estava acontecendo.

"Quero um perito aqui, agora." Chamou ela pelo rádio. Obteve a confirmação, e pouco tempo depois, um perito chegou ao lugar.

"Ela está segurando um papel. Pode ser alguma pista, alguma localização."

Cinco minutos depois, Ângela tinha o papel nas mãos, dentro de um plástico. Tudo ocorrera rapidamente, e em pouco tempo o corpo já estava sendo levado por uma ambulância, a despeito de alguns repórteres tentarem forçar o isolamento da polícia.

O mais incrível é que o papel que estava nas mãos da vítima era um poema.

"Mas que porra é essa? Uma charada?"

***

Ângela andava de um lado para outro. A manhã passara, o dia já estava entrando pela tarde, e parecia que tinha passado dias. Havia recolhido informações dos presentes no camarote, e já interrogara o dono, mas não sabia muito. A mulher não tinha documentação, e ninguém a vira pular. De todas as informações que colhera, que não eram muitas, parecia se tratar de uma prostituta de luxo. Isso era tudo o que conseguira coletar.

E havia aquele poema. Leu-o novamente.

"Quando as primárias girarem
No início de todos os caminhos,
A perdida será quem
Lhe mostrará o destino.
Seu nome vai gotejar
Chegue antes de nada sobrar
Ou será seu desatino."

Parecia uma charada, um enigma, ou uma brincadeira de mau gosto. Mas Ângela sabia que havia algo ali, só não conseguia entender o que era. Olhou para a TV, que transmitia notícias do Galo da Madrugada. Flashes do que acontecera durante aquela manhã estavam sendo mostrados, mas apenas fora pincelado sobre o suicídio. Estava olhando sem prestar atenção, imagens de grupos fantasiados, moças seminuas, homens vestidos de mulher, quando algo lhe chamou atenção.

Franziu o cenho e leu em voz alta a primeira linha do poema.

"Quando as primárias girarem"

Olhou para a TV, que ainda mostrava os flashes, mas a imagem já não era a mesma que lhe chamara a atenção. Correu para o computador e acessou a internet. Procurou no site de busca e a imagem surgiu na tela do computador. Sombrinhas de frevo giravam diante dela.

"Quando as primárias girarem."

Olhou para as sombrinhas, que ostentavam três cores vibrantes: AZUL, AMARELO E VERMELHO.

"As três cores primárias!"

Imediatamente, recomeçou a pesquisa.

Capítulo Dois

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