A Dríade do Mar - Capítulo Quatro

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Segui Tarsílio pelos fundos da copa, deixando atrás de mim a família real, que se alimentava. E, é claro, Thalassa. A garota rósea, linda, perfeita. Jamais conseguiria tirá-la de minha mente. Nem que eu vivesse duzentos anos.

Tarsílio me mostrou os utensílios de cozinha. Mas eu não cozinharia, eu não saberia fazê-lo sem um fogão, nem preparar todas aquelas coisas horríveis que eles comem. Minha tarefa era colher as algas para o cozinheiro. Tarsílio me conduziu por uma porta, nos fundos da cozinha, então estávamos do lado de fora do castelo.

"Aqui." me mostrou ele o que era uma espécie de "estufa" de algas. Não era uma estufa como eu conhecia, pois não tinha ar: tinha água. Era totalmente fechada, cheia de água do mar. Lá dentro algas cresciam viçosas. A "estufa" era enorme, e eu percebi que ficava no limite sul da cidade dos Efidríades. Era como a entrada da cidade, por onde me conduziram quando cheguei. Eu deveria apertar um botão, onde toda a água seria escoada para o mar, ao mesmo tempo que entraria ar por um tubo, que se ligaria diretamente com a superfície durante aqueles breves minutos. Antes disso, teria que me certificar, através de um painel de radar, se havia algum navio por perto. Em seguida, poderia abrir a porta, entrar e colher as algas.

O que me impressionou foi a quantidade de tecnologia usada ali. Muita coisa, com certeza, fora roubada do continente. Mas eles sabiam exatamente o que estavam fazendo, e como fazer.



Tarsílio me ensinou os vários tipos de algas, como reconhecê-las e quais dela serviam para consumo e quais serviriam como tempero. Também me mostrou quais estavam prontas para serem colhidas. Com o tempo, eu já o fazia automaticamente, sem parar para verificar.

Nunca pensei que pudesse me adaptar tão rapidamente àquela vida. Nem me lembrava direito do continente. Às vezes a saudade apertava o peito. Saudades de minhas filhas. Mas, logo em seguida, imaginava que elas estavam muito bem, e que já haviam me enterrado em suas memórias.

Minhas obrigações eram tantas que eu não mais via Thalassa. E sentia falta dela também.

"Tarsílio..."

"Sim?"

Ele falava muito bem o inglês, pois fora assim nossa comunicação. Mas também era o único que falava comigo. Então, ele já se acostumara às minhas conversas no meio do expediente. Talvez ele visse aquilo como necessidade. Eu era humano, e não como os homens-peixe, que se acostumaram com o silêncio.

"Não fique chateado. É apenas curiosidade."

Ele sorriu, com seu sorriso belo e magnífico. "Pode falar."

"O que significa Thalassa?"

Ele me olhou como se fosse me devorar. "Não deve perguntar nada a respeito da princesa!"

Fiquei quieto a um canto. Depois de alguns minutos, ouvi sua voz, calma e quase distante.

"Vinda do mar".

"Como?"

"Vinda do mar. É o significado do nome da princesa."

"Tarsílio, que língua é essa que vocês falam?"

Ele suspirou. "Nossa língua mãe. Grego."

Claro, de onde surgiram as lendas.

Depois disso, não mais me referi à princesa Thalassa. Apenas fazia o meu trabalho. Talvez algum dia eu cruzasse com ela em algum corredor do castelo. Porque não?




O tempo passou, eu estava habituado às minhas funções. Não sei quanto tempo exatamente, talvez alguns meses mais, talvez um ano. Mas eu estava lá. E Thalassa não saiu mais de meus pensamentos.

A rainha Acidália começou a confiar um pouco mais em mim depois de tanto tempo, e justamente por causa disso, perdi totalmente minhas últimas esperanças de voltar à superfície. Não sei como sobrevivi tanto tempo assim, mas me conformei à minha condição totalmente. Em parte por causa de Thalassa. A curiosidade a seu respeito me fazia querer sempre ficar mais por lá. Talvez jamais a visse. Talvez não.

Acidália conferiu-me uma nova função. Encarregou-me de chefe da horta da cidade. Absolutamente tudo o que era cultivado e colhido deveria passar por mim. Eu contabilizava tudo, eu tinha as senhas dos locais, eu tinha livre acesso à cozinha, à estufa e aos locais de cultivo e preservação. Mas não tinha acesso ao palácio, como sempre.

Sem esperar, o encontro aconteceu. Na verdade, não foi exatamente um encontro. Foi um acidente. Thalassa, não sei por que razão, descera até a cozinha. E estava lá sozinha quando entrei após minha última ronda do dia pela estufa.

Fiquei petrificado ao vê-la parada no meio do aposento, altiva, surreal. Eu já havia quase esquecido o quanto ela era deslumbrante. Em nada se parecia com a beleza dos meus pensamentos. Ela era infinitamente mais bela do que eu me lembrava.

Tão assustado e deslumbrado eu estava que não consegui me mover. E ela aguardou. Só após alguns segundos lembrei-me de tirar meu olhar dela e me curvar.

"Perdoe-me alteza."

"Levante-se."

Sua voz era doce, mas com autoridade. Ela era tão jovem! Ao menos, assim me parecia.

Quando levantei-me, ela já não estava mais lá. Mas o cheiro doce dela ainda estava no ar.

"Thalassa" sussurrei, mas o medo de morrer invadiu-me e eu fiquei novamente em silêncio. Só então notei algo em cima da mesa. Uma mecha de cabelos rosados, que amarravam um pequeno mimo. Um golfinho de prata minúsculo.

Era dela. Ela me dera, não poderia tê-lo esquecido de propósito, eu sabia. Segurei a mecha macia e o pequeno pingente e guardei-o comigo.

"Thalassa", nome que me perseguia. Meu coração estava mais calmo agora. Eu não precisaria apressar-me. A seu tempo, ela viria até mim.




Demorou meses ainda até que outro encontro ocorresse. Eu cheguei a duvidar de que realmente ela tivesse me dado o pingente, ou se tivesse esquecido dele. Eu o carregava sempre comigo para alimentar alguma esperança de conversar com ela, algum dia. Isso seria minha sentença de morte, mas, o que era na realidade a vida ali, submerso?

Eu não tinha mais vida, para falar a verdade. Eu estava apenas tratando de sobreviver. Era um escravo dos Efidríades e, apesar do cargo de confiança, não passava disso. Jamais poderia fazer amizades com eles, ou até mesmo me fixar, como cidadão daquele lugar. Eu não pertencia àquele lugar, eu não era um deles. Eu fui capturado, e era um escravo, não passaria disso.

Todos esses pensamentos corroíam-me, enquanto eu fazia minha ronda no fim do dia. Não sei quanto tempo perdi examinando as algas oxigenantes, de tão distraído que estava. Então, lembrei-me das horas e me virei bruscamente. E quase a derrubei. Quase, se não fosse por seu corpo tremendamente ágil e rápido.

"Alteza!" Eu praticamente gritei. Me joguei aos seus pés, com o rosto enterrado nas mãos, pronto para clamar pela minha vida.

"Acalme-se, Charles. Levante-se."

Fiquei chocado com sua voz doce. Já havia me esquecido de como ela era. Me pareceu uma infinidade de tempo até que encontrei forças para me por de pé, ainda com os olhos fixos no chão. Os pés dela eram brancos e lisos, e não tinha sinais das ventosas que lhe cobriam os braços e mãos. Então, me permiti pensar em sua forma de sereia, transmutando suas pernas lisas em uma bela cauda...

"Charles?"

"Sim, alteza."

"Permitiria-me conversar um pouco?"

Levantei os olhos. Os olhos róseos dela eram apenas de um pedido, quase uma súplica. Não havia condenação neles. Então, senti-me aliviado quase que imediatamente, me contendo para não suspirar audivelmente.

"Claro! Mas... por que a princesa iria conversar comigo? Sou apenas um escravo e..."

"Estou entediada. Não aguento mais esta vida na cidade. Só posso sair para o oceano acompanhada de guardas, apenas para treinamento e caça. Um passeio de vez em quando, nunca sozinha. Conversar? Somente com mamãe. É proibido para os membros da família real conversar com os empregados."

"Então, por que conversa comigo? Isso será minha sentença de morte..."

"Não se preocupe, Charles. Eu providenciarei para que esteja seguro. Apenas me prometa que eu poderei ter de você o sigilo que necessito. Não conte a ninguém a respeito de nossas conversas, entendido?"

"Claro, alteza."

De repente, ela passou de doce princesa a uma ameaçadora caçadora. "Ou eu mesmo executarei sua sentença."

Engoli em seco. "Não se preocupe, alteza. Jamais abrirei minha boca para este fim."

"Ótimo."

"Mas, se me permite uma pergunta..." esperei até que ela acenasse com a cabeça para que eu continuasse. "Você não tem mais ninguém em sua família além de sua mãe?"

Ela suspirou. "Não. Papai morreu há muitos anos, e eu não tive irmãos."

"Entendo..."

"Não, Charles. Você não faz idéia. Eu tenho... eu tenho uma incumbência, uma tarefa a realizar... algo que precisa salvar nossa espécie mas eu simplesmente não posso fazer!"

Ela parecia tão chocada e desesperada, que eu tive que me conter para não abraçá-la e confortá-la. Afinal, ela ainda era a princesa, e isso significava que estar ali, conversando com ela, já era motivo para haver uma lâmina afiada em meu pescoço.

"E por que não, alteza?"

Ela me olhou, quase assustada, como se estivesse me vendo pela primeira vez.

"Isso não é assunto para nossa conversa." Ela olhou em volta. Estávamos sozinhos no meio da horta. "Preciso ir."

"Mas, alteza..."

Eu já estava sozinho. E atordoado. O que quer que estava atormentando Thalassa, passava a me atormentar também. E eu nem sabia do que se tratava. Só sentia um desejo imenso de ajudá-la, mas não sabia como fazer. Ela tinha que salvar a espécie, mas de uma maneira que a incomodava. O que seria isso?

Olhei ao redor e vi que a hora estava muito avançada. Antes que chegasse alguém e desconfiasse, corri para meus aposentos.


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